24 de julho de 2015

Cadeiras Proibidas, de Ignácio de Loyola Brandão

Encontrei-me com Loyola e de chofre perguntei: “Ignácio, digamos que uma pessoa que nunca leu teus contos quer começar a lê-los, por qual livro você recomendaria que esta pessoa começasse?”

Eu já havia lido contos do autor; na verdade, eu o leio desde os 14, 15 anos, ainda que eu entendesse pouco ou quase nada da sua simbologia. Mas como sempre estou a recomendar leituras para os outros, queria saber o que ele tinha a dizer a respeito da própria obra. E ele não se furtou à pergunta, pelo contrário, também recomendou-me um romance para quem quiser começar a lê-lo pela primeira vez (e não, não foi o famoso Zero).

“Sugiro que comece por Cadeiras proibidas”, ele me disse sem hesitar. E complementou: “São contos dos quais eu gosto muito”. Ao lado dele, havia uma livraria, na qual eu entrei, adquiri o livro e pedi para que ele o autografasse. Ele escreveu: “Para Marco Severo, estes contos, sobreviventes de tempos difíceis – um fraterno abraço”, assinou seu nome e colocou a data. Estava dado o recado, mas eu ainda não sabia disso.

cadeiras

 

Originalmente publicado em 1976, quando as coisas no Brasil eram de fato muito difíceis, Cadeiras proibidas(Global Editora, 140 págs.) percorre em dezenas de contos todo o período da ditadura no país, usando-se do realismo mágico que sufoca, tão comum em Kafka. Não à toa, os cenários utilizados por Loyola em praticamente todos os contos do livro são escritórios, fábricas, repartições – lugares fechados, que aprisionam os personagens que, aliás, podem ser qualquer um de nós: outra característica da obra é que em apenas dois, dos 32 contos, algum personagem tem nome – e, ainda assim, dito apenas de passagem, de forma ilustrativa – denotando claramente que, apesar de absurdas, cada uma das histórias é sobre o ser humano, independente de sua raça, credo ou nome: o absurdo atinge a todos.

Da mesma maneira, não existe grande variação nos títulos. Geralmente começam com “O homem que” ou alguma pequena modificação nisso. E embora o protagonista da maioria das histórias seja mesmo alguém do século masculino, também é forçoso compreender que o homem, aqui, é a humanidade como um todo. Todos somos reféns de sistemas opressores, vítimas da violência, do medo, da castração das vontades. Assim, no realismo mágico de Ignácio de Loyola Brandão, temos um homem que perde a própria essência ao descobrir-se com um furo na mão, outro que se transforma em barbante, outro que vê o filho ser comido por um lagarto, ou ainda um que liga para si mesmo, apenas para descobrir um grande e grave surpresa a respeito de si mesmo, e um que quer entender como funciona a Máquina – e por causa disso tem sua liberdade cerceada e a vida completamente modificada.

Os contos do livro, no entanto, são crus. Crus de tal maneira que muitas vezes parecem ausentes de humanidade. E isso, que pode dar uma ideia de que o livro é por demais seco, é mais uma forma do autor fazer chegar até o leitor a sua ideia dos “tempos difíceis”, que ele escreveu na dedicatória feita para mim.

Ler estes contos em 2015, quando observa-se um movimento conservador tão crescente no país, em que alguns incautos saem às ruas clamando pela volta da ditadura, é não apenas um tapa na cara desses pobres seres humanos, como também uma aula de literatura e de história, tão necessária em tempos que correm.