29 de julho de 2014

A poesia de Juliana Bernardo

zen

se conseguir esperar cem dias
e, principalmente, cem noites
debaixo da minha janela
serei sua, disse a princesa

e o soldado trouxe um banquinho
fez palavras cruzadas, bordado, tai chi
chorou, tomou barbitúricos, vitaminas, drinks
tomou inverno, verão

então
na nonagésima nona noite
mobiliou novamente seu corpo
pondo os ossos de pé
dobrou o banquinho e nunca mais
olhou pra trás

*

baião de dois

minha mãe casou
esmalte misturinha
vestido branco de segunda mão
cabeça redonda cintura fina
nas palavras dela
meu pai atrasado
fusca preto
terno de boêmio feito no alfaiate
na festa
um quintal de chuva
um arrepio de papel
sem lembrancinha sem piano
meu pai e minha mãe
arroz e feijão
abraçados no prato

*

o livro me escreve

enquanto espero o poema
o mar navega em Ulisses
enquanto espero o poema
a mortalha tece Penélope
enquanto espero o poema
o céu passa pelo pássaro
enquanto espero o poema
a terra encarna em deus
enquanto espero o poema
enquanto espero o poema
o poema espera um cavalo

*

lágrimas nos dentes

estacionou a lua na esquina
entrou no ap pela porta fechada
reconheceu os bichos
renomeou os livros
sem uma palavra
me abraçou com os olhos
me amou com a testa
beijou outros com a mão
se despediu depois
com lágrimas nos dentes
vestiu o paletó de estrelas
saiu pela janela

levou a lua embora

*Juliana Bernardo é autora de Carta Branca e Vitamina (Patuá, 2011 e 2013), nasceu em São Paulo, em 89.
Tem poemas em revistas, jornais, sites literários, antologias e muros. Seus textos já estiveram na tv (Arteletra Literatura), no rádio (Paisagens e Poéticas,transmitido na 30ª Bienal Internacional de Artes de SP, e Poesia Viva, na Rádio Estadão) e ganharam alguns prêmios literários. Faz parte do coletivo Poesia Maloqueirista e do Projeto Praga, com os quais organiza mensalmente eventos multiculturais em espaços públicos. Trampa com revisão e produção da coleção Edições Maloqueiristas, que conta com 27 livros e apoio do Programa VAI II.
Cursou Filosofia, na USP, e estuda por conta candomblé, música e tarô. Desenha os próprios vestidos & costura seus bloquinhos de anotações.
Escreve em:

orugidodoleaonaocabenajaula.wordpress.com