28 de julho de 2014

Noturno do Chile, de Roberto Bolaño

Fazia certo tempo que eu não ficava a refletir sobre algum livro que eu acabara de ler. Talvez tenha sido toda a névoa presente no livro, apesar da ‘claridade’ monologal com a que o narrador deixa evidente toda a história. Talvez eu esteja sendo um pouco infeliz ao afirmar que há claridade na fala de Sebastián, que sob um estado febril, quase em convalescença, tenta contar sua vida. Não sei se ele estava a querer rever o que havia feito de bom na vida, ou se apenas quis constatar os seus erros. O que sei é que pela primeira vez li Roberto Bolaño e algo me inquietou.

“a vida é uma sucessão de equívocos que nos conduzem à verdade final, a única verdade”

O livro Noturno do Chile é o primeiro livro a ser publicado no Brasil, de Roberto Bolanõ. O livro, que poderia ser uma peça de teatro ou um pequeno romance, parece se tratar de memórias que Sebástian, um padre que ensinou marxismo a Pinochet e seus generais, quer relembrar tudo o que vivei antes de sua morte. O padre, que narra toda a história, é o responsável por nos mostrar um pouco do Chile nas épocas em que Salvador Allende esteve no poder e quando do Golpe de Estado de Pinochet.

Em toda a narrativa só existem dois parágrafos, um enorme de 120 páginas e uma única frase ao final, separada de todo o resto, onde fica nítido o estado febril em que se encontra o narrador. As cinquenta primeiras páginas, que trazem seu encontro com o crítico fictício Farewell nos dá um panorama da literatura do Chile e de alguns outros países. Conhece, na casa do crítico os poetas, que realmente existiram, Salvador Reyes e Pablo Neruda.

Essa primeira parte do livro, modorrenta e com apenas alguns vislumbres literários como na maneira de narrar , quanto à escrita, foram me deixando inquieto, sem saber se deveria ou não continuar a leitura. Contudo, aos poucos, quando vamos tomando conhecimento um pouco mais da personalidade de Sebástian, parece que estamos ao seu lado, querendo ouvi-lo, desejando saber o que lhe ocorrera quando jovem. A quantos enterros de poetas, como o de Neruda, haveria ele ido, ou de que maneira ele passou pela Ditadura de Pinochet.

Roberto-Bola-C3-B1o
Até que, de repente, nos damos conta de que estamos o observado através dos “Dois espelhos, em molduras de madeira folheadas a ouro”, enquanto ele espera inquieto e trêmulo a chegada de seus alunos. Os culpados dessa empreitada seria os senhores Oidó e Oidem, que antes haviam sido responsáveis pela ida do padre até a Europa para estudar a importância de se fazer a restauração das imagens pintadas nas igrejas do Chile. Assim ele entra em mundo que não lhe pertencia, uma vez que estava sempre ao lado de escritores e críticos literários, lendo e escrevendo suas resenhas para publicação.

Com certa apreensão, acaba se preparando, em uma semana, para encontrar o Estado-Maior e lhe ensinar sobre Marx, Engels e Marta Harnecker, esta que acaba sendo delatada pelo padre ao dar os seus ensinamentos sobre o marxismo. Para os senhores Oidó e Oidem, Sebástian era a pessoal ideal para poder ministrar tais aulas e fazer com que o General conhecesse os seus inimigos, que não eram pessoas cultas e muito menos informadas sobre o mundo, como afirmou Pinochet.

Porém, apesar de estar no centro do maior círculo político de sua época, a participação de Sebástian parece ser ínfima com os ensinamentos que havia passado e não nos parece que esse seja também o foco do delírio das memórias do padre. Na realidade, não acredito que ele tenha alguma preocupação, uma vez que delira e que apenas conta o que vai lembrando. Os anos se passam rapidamente, e o estilo da escrita de Bolaño é positiva neste quesito, uma vez que não nos damos conta e a narrativa flui de maneira agradável e sem mais dissabores, pois estes estão apenas nas palavras de Sebástian.

Palavras essas que futuramente vão se encontrar com María Canales, outra escritora que recebia em sua casa diversos artistas e que em seu sótão escondia as vítimas torturadas por seu marido que eram a favor da ditadura de Pinochet.

Este último episódio passa, ao menos pra mim, como algo sem mais importância, porém parece que algo ficara para Sebástian, pois o seu reencontro com María, tempos depois, enquanto esta se encontrava na penúria e abandonada pelo marido, que havia sido preso nos Estados Unidos, é algo que tenta mostrar algo mais profundo da alma de Sebástian como padre, como ser humano. Mas diria que não passa de uma sensação velada, como se Sebástian tivesse culpa dela ter permanecido daquela maneira, como se ele houvesse contribuído, de alguma forma, para que María Canales estivesse como está, e agora tenta aconselhá-la para que siga sua vida e recomece do zero com seus filhos.

A partir deste ponto, as frases começam a se embaralhar e o delírio de Sebástian fica presente no final do livro, perguntando por seu amigo Farewell que morre, e que estava antes se esquecendo das coisas e tornando-se um pouco delirante. Assim como o crítico amigo, o padre vai chegando ao seu fim, perguntando-se ele agora é o “jovem envelhecido”, como chamava ele a Farewell.

Assim finda o livro, e a minha inquietação é sobre toda a história, sobre qual sua importância, por quais razões Roberto teria escrito esse texto. O seu estilo narrativo realmente é de surpreender o leitor, principalmente nos momentos em que dá às vezes aos personagens para que falem em diálogo com Sebástian. Mas ainda assim a história parece não me convencer. O padre parece não ser tão profundo como deseja ser, parecendo um homem normal, com perguntas quase que existencialistas. Uma personalidade no mínimo superficial ou perdida, não sei bem. Mas talvez seja isso o que vem agradando aos críticos e aos leitores. Uma amostra de até quem deveria saber um pouco mais da vida não sabe nada, que também se perde entre os delírios sóbrios, enquanto dá aulas ou enquanto visita igrejas europeias. Sebástian é todos os homens perdidos, todos aqueles que acham ter encontrado um ideal para viver, um motivo, mas que na verdade estiveram sempre a desvairar à luz do dia.