10 de julho de 2014

A solidão entre baladas

Os poetas jovens tendem a falar de temas relacionados ao amor, ao sonho e à esperança de viver. Na maioria das vezes, tais temas nos levam a desacreditar nesses poetas por acharmos que devem dar mais tempo aos seus versos e tentar repensar o mundo, de uma maneira diferente, onde nem tudo o que acontece são maravilhas ou deveriam ser. Que a esperança pode, com muita facilidade, não existir e que as dores do mundo estão a nos incomodar quase que diariamente; e que existem muitas outras abstrações, digamos assim, que deveriam nos preocupar.
Léo Prudêncio é um desses jovens, porém com um diferencial. Há alguns anos, li os poemas do poeta e percebi neles o que mencionei. Faltava-lhe uma “estabilidade” no texto, havia, em certo sentido, muito sentimento apenas. Como se agisse comandado apenas pelo sentir ou pela inspiração.
Apesar de acreditar que bons textos podem surgir sob o efeito anestésico dos sentimentos ou sob o efeito da musa inspiradora, e de momentos de epifania também, creio que o trabalho do poeta deva existir de maneira que consiga não driblar os sentimentos, mas complementá-los com nossa razão.
Esse é o problema de vários escritores, pois creem que apenas o sentir é necessário para a escrita. Ao lermos Manoel de Barros ou João Cabral de Melo Neto, poderíamos pensar em afirmar que conseguiríamos apontar com certeza qual deles usou apenas a razão ou o sentimento com maior afinco. Seria pura ingenuidade fazê-lo. A poesia não se constrói apenas com momentos epifânicos nem com pura racionalidade, mas sim com a observação da vida que acontece em tudo e em todos e quase sempre acompanhada de atos reflexivos, ou não. Portanto, é quase impossível, a meu ver, separarmos esses dois “seres”.
Em Baladas para violão de cinco cordas temos um pouco de cada, com uma harmonia que, por vezes, desafina e afina, como estivéssemos a ajustar o tom das melodias que irão ser tocadas. Partindo de tragédias, como a vida de Chico – presentes desde os primeiros versos-acordes do livro – à ironia, que traz certa pitada de vida, pode-se afirmar que o poeta deste livro “anda perdido”, mas apenas enquanto toca os seus versos nas nuvens que o formam. Perdido entre baladas que tocam não apenas o seu íntimo, mas o da vida que o rodeia.
Léo Prudêncio toca em temas caros a qualquer leitor de poesia e aos escritores que começam a desejar enveredar pela escrita. O amor e o sonhar são mais do que vivos em seus poemas. Contudo, perguntaria o poeta: será isso tudo clichê? É para essa resposta que devemos ater detalhadamente a nossa percepção.
O poeta entende que temas como esses não devem ser deixados de lado, apenas porque a crítica, propriamente, já não os quer presentes em poemas. O clichê deve ser retomado e talhado com certa originalidade que cabe apenas àqueles que escrevem sozinhos entre as multidões.

 

Os poemas-clichês, chamemos assim alguns dos textos aqui encontrados, apontam para algo desconcertante, como frases que surgem ao fim dos poemas e que, além de nos interpelar em outra língua, como no segundo poema do livro, nos deixam desconcertados por perceber que nem tudo é o que se lê. A desconstrução está colocada com precisão para que não nos ludibriemos pela melodia dos versos e para que não nos deixemos levar pela simples ilusão dos temas clichês, que em alguns poemas se fazem presentes.
Na verdade, tudo está estruturado para nos desconcertar, nos deixar imprecisos quanto à existência da vida. Parece ser esse sob este sentimento que o poeta compõe sua balada. Ele parece querer nos manipular, assim como fazia Orfeu com os pássaros e os animais selvagens, fazendo assertivas que nos deixam, apesar de compenetrados, confusos e duvidosos, como a que diz que o poeta é um “desespectador da vida”. Parece que Léo Prudêncio segue bem as indicações de um ilustre poeta português, em que afirmava que o poeta é sempre responsável pelo fingir. Iludir, portanto, poderia ser um ato mágico, mas é também poético.
Além da falsa ilusão criada pelas palavras lançadas através dos versos harmoniosos de Léo Prudêncio, há certa disposição de aspectos gráficos visuais, mostrando a habilidade do poeta em não exagerar utilizando a influência que aparenta ter do concretismo, como bem é possível observar no poema espólio, que nos direciona para uma cruz que simboliza nossa perdição, nossa rendição ao esquecimento.
Poemas como horizonte ou guitar solodeixam evidente a preocupação que o poeta teve em meio aos poemas amorosos, que surgem como ervas daninha no jardim dos críticos, aos poucos, como em eu e minha pequena, deixar claro que nem tudo o que se lê é ilusório. Mostra, através desses poemas, que razão e sentimento encontram-se muito bem alinhados, como a sequência de notas que são criadas para suas Baladas para violão de cinco cordas.
O que deverá ter sido apreendido por você, leitor, é o toque de inocência que existe na confessionalidade do poeta, deixando parte de si no livro, relatando, quem sabe, sua infância e a escrita, na qual as nuvens, as páginas em branco, eram o seu brinquedo favorito, onde “desenhava soldados, carros e animais”.
E através dessa infância, que não se deixou ser levada pela memória, ao contrário dos amores vãos, sugere que sempre haverá os que duvidaram da vida, por que é certo que muito há a se perder no caminho até a morte. Mas é assim que vai “reformulando o peso do mundo / transfigurando / o real em sonetos”.

 

A vida do poeta é construída através dos poemas, assim como constrói os seus versos, sua balada, seu caminho entre as multidões. Léo Prudêncio não está entre as multidões, pois ele acredita que “o poeta está só” e sempre só, quando a revolver em si os sentimentos e os momentos vividos, para que quem sabe um dia seus poemas possam chegar até o leitor  mais arredio “como um navio chegando d’além mar”.