9 de julho de 2014

Os golpes poéticos de Talles Azigon

O livro Três golpes d'água (Substânsia 2014), de Talles Azigon, pretendem golpear três coisas: 1) O homem externo a sua poética; 2) o leitor que convive dia a dia com o poeta e 3) os versos de Azigon pretendem golpear a si próprio. Sendo assim, conversemos sobre o livro do poeta seguindo as divisões demarcadas no livro.
 
1) O golpe no mundo dos homens
 
Na primeira parte do livro, como já disse, o poeta direciona os seus golpes literários àqueles que não conviveram diretamente com ele. São os homens desconhecidos, e solitários, que caminham por entre a multidão: o fortalezense. O poema que abre essa parte, poetiza a rotina de Fortaleza:
 
como um passe de mágica
a cidade faz dormir
todos os semáforos.
o caos instalado
obriga-nos a ler o óbvio:
os homens não se entendem,
por isso os sinais.
 
o mundo relembra
que é mundo
(de pedra, ferro, cimento e gente)
 
Na verdade o poema acima pode se aplicar a qualquer cidade. O homem “civilizado” necessita de leis para se governar e se organizar. Sem isso, o homem vive em um caos total. Alias, até com as leis vivemos em um caos. Os últimos versos nos fazem refletir sobre a composição concreta do mundo. O poeta segue as indicações de Manuel Bandeira, que sabiamente, fazia poemas a partir de recortes de jornal, ou, de recortes urbanos.
 
Na epígrafe do livro de Talles já notamos um dos sinais de influência da poesia de Manuel Bandeira:
 
Esse anseio infinito e vão
De possuir o que me possui.”
-Manuel Bandeira
 
Tá certo que colocar uma epígrafe de um autor não indica que todo o livro tenha que, necessariamente, sofrer alguma influência do mesmo. Mas pelo pouco que conheço o poeta dos Três golpes d'água, sei que poderá haver sim um certo diálogo com a poesia de Bandeira. Pois Talles é leitor, full time, de Bandeira. A captação poética, da obra do poeta das Cinzas das horas, se apresenta na percepção do urbano, da conscientização da efemeridade da vida e das referências à memória pessoal do autor fortalezense.

A epígrafe da obra de Talles, sinaliza também a necessidade que o poeta tem de eternizar o que acontece ao seu redor em forma de poesia. No poema Arquitetura do cansaço, Talles a maneira de Alberto Caeiro, faz um poema filosófico sobre a ânsia de sair da cidade. O poeta nessa primeira parte da obra, se sente um cidadão à parte da cidade. E para Platão não há lugar para o poeta em sua república, Talles não encontra seu lugar e por isso despeja o primeiro golpe aos residentes da república/cidade.
 
2) Golpe no meu mundo
 
Na segunda parte do livro, Talles Azigon, dirrciona os seus golpes poéticos para si mesmo. Nessa parte encontraremos um poeta exposto que se auto-golpeia com a sua memória. Em um dos poemas, ele nos confessa que há dentro dele um sertão infinito. Essa infinidade interior dará vazão ao lado poético. Nessa parte do livro, desvendamos o sertão interior do poeta.

Sabemos que a introspecção só é válida quando não é transcrita de maneira pessoal, fazendo do poema algo particular, ou, mero recorte pessoal do poeta. Talles se utiliza da introspecção de maneira sutil, pois como todo bom poeta, ele sabe que uma dosagem a mais de introspecção, faria de seus poemas meros textos pessoais.

Concluo comentando que esta parte do livro é importante para o todo da obra, pois a poesia deve primeiro golpear o autor para depois acertar os futuros leitores.
 
3) Golpe no teu mundo
 
Comecemos nossa conversa sobre a última parte do livro de Talles, analisando brevemente o poema que abre o terceiro golpe:
 
fala
teu falo
é meu
 
falo
o
meu
também
é teu.
 
Inicialmente, o poeta declara que a sua fala é também a fala do leitor, assim como também a fala do leitor é a fala do poeta. Os golpes dessa sessão, na verdade são feitos por um eu-lírico que se universaliza a partir da sensibilidade do leitor. O lirismo, tão presente na obra de Bandeira, é presença marcante na obra de Talles. O poema abaixo golpeia qualquer leitor desprovido de armaduras:
 
Fui embora pra dentro de mim
fiz um furo aqui em cima
e deixei escorrer toda crendice
que eu ainda tinha de tu.
nada não,
o amor é assim mesmo
quando não amarga na entrada
amarga na saída.
 

 

Sem como se defender, o leitor é golpeado poeticamente nas páginas seguintes desta sessão e de todas as sessões do livro. Se por acaso você se machucar com os Três golpes d'água de Talles Azigon, leia novamente a obra, pois as sucessivas releituras funcionam como antídotos pós-términio de leitura.