2 de julho de 2014

Lori Loira

 

Não era das mais bonitinhas, decerto, mas sabia andar de bicicleta nas ruas de asfalto. Tinha dois dentinhos podres no alto da boca, e dizia para as amigas que eram pintados com lápis para serem diferentes dos outros, que eram amarelados. O irmão do meio: um fino ladrão de feira. Este, maldito que era, não se contentando mais somente com a feira, certo dia pulou um quintal alheio para furtar pertences de outrem, mas caiu no quintal de Zezão, traficante-chefe das redondezas. Tiveram que mudar-se para um interior no pé da serra, que era para não ter a trabalheira de um velório perto do final do ano, que é quando se tem mais sapatos e sandálias a pagar.

O local não era de todo ruim, tinha seus atrativos (raros). O principal era a barragem de Cosme e Damião, localidade próxima.

Era um domingo pela manhã quando, depois da tapioca com leite espumado, foram de shortinho para o banho. A chuva desfiava do outro lado da serra e os respingos já se faziam sentir no meio da criançada e das madames que batiam a roupa em cima das locas.

- Sai do mêi que eu vou dá um cangapé, Lorimeyre! – gritou Lorianne, de cima da barragem.

Ao calar a boca, ao longe, um estrondo: era a comporta principal da barragem rompendo e a cara de assustada de Lorimeyre, que por causa de seus cachinhos louros era também chamada Lori Loira, quando a correnteza medonha a fez retirar da boca o gosto de tapioca e leite espumado, quando foi achada no sangradouro do açude na manhã do dia seguinte, de cor meio arroxeada, quase toda coberta de lama e de folhas, que se emaranhavam por entres seus dentinhos de grafite.