14 de maio de 2014

Menos vivi do que fiei palavras: o diário de Nilto Maciel


Nilto Maciel, em suas últimas produções, estava dedicando-se com maior afinco às memórias e à crítica literária. Um desses livros de memórias é Menos vivi do que fiei palavras, publicado pela  Editora Penalux em 2012. Nele o autor expõe ao público o seu diário literário, escrito de maneira irregular durante os anos de 1986 a 1992. O leitor que esperar encontrar reflexões pessoais sobre a vida de Nilto poderá ficar frustrado, pois nesse diário o autor cearense anota as suas leituras, como também, indicações de leituras e comenta livros de amigos, bem como fornece um “making off” de alguns de seus livros. No primeiro parágrafo da primeira anotação, lemos:

De tempos em tempos, reanimo a ideia de falar de mim mesmo, em cadernos como este. Logo mudo de opinião. Para quê? Não tem a menor importância meu cotidiano, seja o social, seja o pessoal. Ora, não sou estadista, chefe político ou peça de relevância no xadrez do poder. E meus subterrâneos estão nos livros. Estou desde ontem, no entanto, outra vez decido a deixar de lado esses escrúpulos. Talvez isto me sirva de argamassa para um romance biográfico. Quando não, conseguirei me disciplinar mais, quer como escritor, quer como ser humano.

O autor, em outro trecho, comenta que nunca leu diário de outros escritores, por isso não sabia como fazer o seu próprio e como percebemos pelo título do livro e pela leitura de seu diário, a vida do escritor Nilto Maciel foi voltada quase exclusivamente à literatura. Muitas são as indicações e as marcações de leitura indicadas no diário que acabar por deixar isso evidente. O também contista cearense foi mais uma prova de que os bons escritores leem muito.

As anotações do escritor, publicadas em 2012, podem servir para pesquisas acadêmicas que se proponham a investigar sobre as influências que ele teve para escrever suas obras, como também o diário o qual nos oferece pormenores da vida de um escritor que não chegou a ter, ainda, o devido reconhecimento nacional. Em vários trechos do livro, Nilto comenta as suas angústias por não ter o devido reconhecimento, e comenta com pormenores os “Nãos” que os editores lhe deram e o quanto isso o desanimava. Há trechos em que o autor comenta as suas lapidações literárias, fornecendo questões sobre reestruturação de alguns de seus contos. Nos primeiros capítulos, percebemos o autor mais voltado a refazer boa parte de seu primeiro livro Itinerário, de 1974. Sobre a problemática questão das editoras, lemos:

Tanta dedicação à literatura não tem valido nada, porém. As editoras me devolvem rotineiramente meus originais. Às vezes, até educadamente. Outras grosseiramente, sem uma só palavra. Assim, o que resta fazer? Quem suporta isso? Dá vontade de parar de inventar. Ou esquecer a existência de typographias. Não sou inferior à maioria dos escreventes editados por elas. E não é fácil permanecer inédito, as gavetas cheias de folhas e pastas. Restaria editar por conta própria. Ora, cadê dinheiro?

Os planos literários aparecem bastante no diário. O trecho abaixo nos mostra uma reflexão que Nilto anotou:

Reflexão: não sonho com glória: tenciono apenas me dedicar à composição que mereça admiração dos leitores, seja hoje, amanhã, daqui a dez, vinte, cem anos. Nem almejo me tornar homem de letras profissional, de dramas populares, se isso significar o sacrifício de passar a vida em busca da arte duradoura, de valor. Logicamente, prefiro ter por profissão urdir novelas medíocres a ser funcionário público, advogado ou outra porcaria.
O autor estava determinado a construir apenas obra literária voltada para o público, não visava críticos, apenas ambicionava o carinho dos leitores. Para ele era mais funcional compor obra literária que exercer uma função pública. E foi assim a vida do escritor Nilto Maciel, que em 2002 voltou para Fortaleza e desde que se instalou na capital cearense não parou mais de fiar palavras, até o último suspiro enquanto se preparava para vir a Sobral ministrar palestra sobre o que mais fez em sua vida: literatura.