21 de abril de 2014

Lanternas cor de aurora: os haicais de Sânzio de Azevedo




O haicai nasceu no Japão em meados do século XII sendo imortalizado por Matsuo Bashô. Essa arte poética privilegia a linguagem simples e metafórica. O haicai deve ser composto por tercetos devidamente rimados em 5-7-5, mas há também os haicais que não possuem rimas, porém a métrica é essencial para a elaboração do poema. Inspirado nessa técnica japonesa, o cearense Sânzio de Azevedo em 2006 publicou o livro Lanternas cor de Aurora.


O autor, Sânzio de Azevedo, é um dos mais respeitados estudiosos em literatura Cearense e Brasileira. Professor aposentado da Universidade Federal do Ceará - UFC já publicou mais de vinco e cinco livros. Dentre os títulos publicados destacam-se: Literatura Cearense (1976);Cantos da Antevéspera (1990); O Parnasianismo na Poesia Brasileira (2004) e Breve História da Padaria Espiritual (2011). Os textos dele sobre a Padaria Espiritual são bastante citados e de leitura obrigatória para os estudiosos em Literatura Cearense.

O livro, Lanternas cor de aurora, se inicia com o autor explicando a origem e estrutura do haicai. Quando eu conheci o autor em um evento acadêmico, levei este livro para que o autografasse, na ocasião, Sânzio disse que o livro era fruto de exercícios poéticos. Brincadeiras do cotidiano ou não, o certo é que esse livro desperta atenção por quem o lê. O livro é pequeno, em espessura, porém durante a leitura ele se demonstra profundo e denso. No texto que abre o livro ele explica que na obra apresentada, há apenas um haicai sem rima e que todos os poemas seguem a risca o esquema do haicai clássico. O primeiro haicai do livro demonstra a intensidade da descrição imagética:

Nuvens
Dói-nos contemplar
Castelos altos e belos
Desfeitos em ar.


Como se percebe o haicai exige uma linguagem apurada, simples, direta e metafórica. No poema lido acima, o mundo é descrito com o auxilio da imaginação do poeta que aguça no leitor os caminhos descritivos/imagéticos a percorrer. O haicai abaixo merece também a nossa atenção:

Velhice
Um rictus contracto
Agora. O riso de outrora
Ficou no retrato.

Esse poema, de caráter filosófico, nos faz refletir os ciclos da vida. Seguindo a estrutura 5-7-5 Sânzio de Azevedo sintetiza a reflexão que muitos fazem diante do espelho ao deparar-se com as marcas do tempo. A propósito, o poeta abre o seu baú de memórias e desta forma torna a leitura deste livro ainda mais aconchegante, pois eu acredito que partilhar com alguém as suas memórias é mais do que um voto de confiança e prestígio. Sendo assim leitor, sinta privilegiado. Aconchegue mais na cadeira (ou na cama) e leia os seguintes versos em que o poeta divide as suas memórias:

Saudade
Volto o tempo, diante da
TV. Que bom é rever
Os filmes da Atlântida!

Vitrola Antiga
Do aparelho fanho
Remotas, ecoam notas
De valsas d’antanho...

A memória é várias vezes ligada a objetos que nos levam a recordação de uma época que dificilmente voltará, como um filme ou uma música. As recordações sempre voltam quando olhamos velhos retratos ou refazemos certos caminhos pela cidade. A memória é um forte elemento que percorrer nesse Lanternas cor de Auroracomo também em outros livros do autor.

Como disse no começo de nossa conversa, o Ceará (nossa literatura, nossos grandes autores, nossa historia, nossas paisagens) tem presença constante nesse livro de haicais. O poema escolhido para a contracapa do livro já anuncia o que virá:

Ceará
Declama um poema
A onda que sobe, estronda
E ecoa: Iracema!



Ler os autores que propagam o nosso mundo cearense é fundamental para manter viva a nossa herança cultural além de também conhecermos melhor o lugar que moramos, pois uma das funções da boa literatura é instruir. Este livro não somente instrui quem o lê, como uma boa obra literária Lanternas cor de auroracomove o leitor com rápidos golpes poéticos. Eis um livro em que a sensibilidade poética aflora em versos curtos, porém pulsantes.