7 de abril de 2014

O nosso dia de viver

Acredito piamente que a imaginação é quem deve comandar o escritor. Contudo, ela não deve estar só. A literatura, na minha percepção, deve e não deve servir para alguma coisa. Ela pode apenas ser objeto de fruição, mas se esse objeto puder contribuir, também, para que possamos refletir um pouco mais sobre o que acontece conosco, interiormente e externamente, acredito que é algo que se deva ter em consideração.

Há quem diga que a literatura não deve servir para nada, e há quem afirme que deve. Não pretendo discernir sobre essa questão, porém, nenhum dos dois lados está errado. Contudo, a literatura é muito mais ampla do que limitações como essas. Uma obra que se propõe a nos fazer sentir, através da catarse, algo que acontece diariamente e que ao mesmo tempo possui sua beleza para que haja fruição deve ser colocada em outro patamar.

E essa catarse, a qual comento, é sempre difícil encontrar, senti-la. Fazer que o leitor se sinta refletido no texto literário e que ele possa sentir na pele, o que está no significado das palavras e na criação das imagens é sempre algo que nos faz voltar o olhar para quem as cria e as subverte para que a emoção flua da maneira mais pura possível.

Digo isto porque “O dia de viver”, de Maik Wanderson, jovem escritor, que publicou seu livro pela Editora Penalux, fez que eu sentisse algo que não podia sentir já a algum tempo, principalmente em um livro de contos.

Formado por quinze contos, “O dia de viver” é uma obra que mexe com o consciente humano e nos faz colocar em lugares distantes, mas parecidos e, talvez, diretamente relacionados ao interior do sertão brasileiro. Entretanto, os temas que surgem nesses contos evidenciam o que pode ser constatado em todo o território nacional. Suas misérias, suas dores e desalentos são constatados, muitas vezes, nas almas ainda pouco vividas e em outras tão mal tratadas, como as que se personificam, em vários contos, na figura da mãe, que sozinha tem de dar comida aos filhos, cuidar da casa e trabalhar.

Essas dores que surgem parecem querer apontar apenas para um horizonte possível, como se o dia de viver fosse o último dia em que estamos prontos para enfrentar a morte, como se a pressentíssemos e mandássemos os filhos para longe, para que não seja possível que eles nos vejam morrer, ou como se fosse a única solução para a dúvida existencial que possuímos.

O livro de Maik Wanderson tem enfoque na morte, mas não é ela apenas a protagonista dos ambientes em que os preconceitos e as dores surgem. A dor está presente quase que em todos os contos, não digo todos devido às várias interpretações que poderão surgir quando lidas as histórias que ali se encontram. O autor vê na infância a possibilidade de representar uma dor de existir, uma dor que surge ao tentar se conhecer humano, entre as idiossincrasias dos pais. Da mãe que quebra os objetos, que representam a felicidade momentânea, como a representada em A visita até Na hora do anjo, onde algo é presenciado por todos sobre uma mesa, deixando o leitor espantado e com certa sensação que não consigo definir, se de estranhamento ou de desassossego, como pontua Denise Noronha, responsável pelo posfácio do livro.

Assim, o que consigo retirar da obra “O dia de viver” é que as histórias que ali estão não são de emoções curtas, como bem coloca Eça de Queirós em suas correspondências, quando diz que o conto é o gênero responsável por tais emoções. A sensibilidade exercida e apreendida pelo leitor, a cada conto lido, é sem sombra de dúvidas como se um trator nos estivesse a atravessar. Um peso, que vem do conhecimento social que nos rodeia, é colocado sobre nós, pois traz consigo uma carga de realidade imensa, que talvez para alguns não seja possível conceber, tendo que a cada nova leitura se sinta obrigado a fechar o livro para poder refletir sobre o que leu, para entender um pouco mais sobre a sociedade em que vivemos.

O livro de Maik Wanderson é uma obra em que põe o ser humano em questão. Que levanta as causas do que nos leva à morte. É essa realidade, formada por nós, que possibilita a nossa alma se desencontrar. É como se não soubéssemos quando será o nosso dia de viver. Daí acharmos que a morte é a solução para nossas dores.