5 de março de 2014

Olhos de Mirela

Quem não se apaixonaria pela Disney, assim, vista pelos olhos de Mirela? A descrição era um mar de cores, era o sobe e desce da montanha russa mais alta do mundo. Dois álbuns repletos de fotografias pelo parque, pelos hotéis, pelo Magic World. Amizade forte com o Mickey, Minnie, que Pateta! Era a inveja das amigas da escola que encantava Mirela, naquele fim de tarde à beira-mar.

– Meu pai disse que nós voltaremos lá ano que vem, duas vezes – disse Mirela, de nariz empinadinho, entre uma pernada e outra, no deslizar dos patins.

O som do quebrar das ondas atrapalhava um pouco o discurso da viajante. O mar parecia bravio, desconhecia Orlando.

– Ganhei também um I-pod rosa, um tablet das princesas loiras e aproveitei pra trocar o note. Comprei tudo na Disney – ao olhar para as amigas que haviam ficado um pouco mais atrás, Mirela prendeu a roda dos patins em um buraco no piso do calçadão, torceu o pé, bateu com a cabeça no meio fio.

– Corre, gente... a Mirela caiu e está toda se debatendo no chão quente! Acorda, Mirela... acorda! – todas gritavam.

Correu Aparecida, filha da rendeira da orla, com sainha de renda e blusa de crochê.

– Moça, aguenta ai que a ambulância já tá chegando, visse!

Mirela, agarrada à barra da saia da menina-mulata, sentia nas mãos a suavidade do algodão macio, emaranhando os dedos roxos pelos buraquinhos da renda branca, arfando sem ar. Teve ainda forças para virar-se de lado, com duas lágrimas a correr pelos trilhos rosados do rostinho pueril, e morreu olhando o sol descendo com todo o seu esplendor sobre as águas verdes da praia de Iracema.