14 de outubro de 2013

Entrevista com Eduardo Lacerda (Editor da Patuá)

Conheci a Editora Patuá vasculhando novas editoras pela internet. Percebi que o catálogo girava em torno, principalmente, da poesia. Fiquei espantado. Nunca tinha visto alguma editora dar tanta ênfase a este gênero. Timidamente enviei um e-mail para os editores e depois de um tempo o Eduardo Lacerda me respondeu. Mantivemos contato, e ele sempre se mostrou muito aberto aos assuntos da editora. Isso me surpreendeu, uma vez que é preferível esconder o que se faz para que não haja novos concorrentes.

Conversando com o Eduardo, percebi que ele achava mais importante divulgar informações e manter o diálogo aberto para novas ações em torno da Literatura do que olhar para o próprio umbigo.

Sempre me questionei até que ponto a Poesia pode “salvar” um homem. E parece que Eduardo Lacerda vive nessa relação de estar sendo salvo e que ao mesmo tempo salva esse gênero, muitas vezes, esquecido, contribuindo, também, para a salvação-publicação de autores estreantes ou não.

A Editora Patuá, em quase 3 anos de vida, e com mais de 100 livros em seu catálogo chega, em 2013, a ser finalista em dois prêmios: o primeiro com o livro “Vário Som”, de Elisa Andrade Buzzo, no Prêmio Jabuti na categoria Poesia; o segundo com o livro “Desnorteio”, de Paula Fábrio, no Prêmio São Paulo de Literatura. Dois dos mais importantes prêmios literários do país. Isso se dá ao trabalho incansável de um homem que acredita que além da poesia é essencial beber para que se possa manter uma editora de portas abertas.

NM – Eduardo, de onde veio a ideia de criar a Patuá?

EL – A ideia (ou necessidade) de criar a Editora Patuá foi uma consequência natural de trabalhos anteriores que realizamos. A partir de 2001, quando entrei no curso de letras da USP, iniciei a edição de uma revista e de alguns eventos literários, essa revista se transformou em um jornal chamado O Casulo, que chegou a ter patrocínio da Prefeitura de São Paulo, com esse apoio foi possível a impressão de tiragens de 30 mil exemplares, com distribuição gratuita em escolas públicas, bibliotecas, centros culturais, cinemas etc. Também participei da organização da FLAP! – Festival de Literatura, que desde 2005 realiza, anualmente, encontros, debates, leituras públicas, entre outras atividades para discussão sobre literatura, edição, produção cultural, tradução.

Montar uma editora que pudesse reunir os autores que circulavam por essas atividades se tornou uma necessidade, mas, no início, não fazíamos ideia de como viabilizar o projeto. Passamos quase 2 anos, entre 2008 e 2010, pesquisando como montar uma editora. A Editora nasceu, como empresa, em outubro de 2010 e publicamos nosso primeiro título em fevereiro de 2011.

NM – No cenário atual, para se abrir uma editora é preciso ter coragem. Qual a importância das editoras independentes no mercado editorial brasileiro?

EL – Acredito que para abrir uma editora não é preciso ter coragem, tenho acompanhado, durante todos esses anos, a criação de dezenas de projetos e editoras. O início é trabalhoso, mas fácil, não tenho dúvidas. É preciso ter coragem para continuar durante muitos anos, depois que se descobre o tamanho dos problemas, das frustrações, decepções. Claro, quando um projeto é mais consistente, muitas coisas boas também vão acontecer, mas no início pensamos apenas que tudo será bom. Não é.

As editoras independentes atuam de diversas formas, por isso têm diversas ‘importâncias’ diferentes. Nós descobrimos jovens autores, redescobrimos autores premiados, mas que estavam sem editora, damos chances a projetos ousados, que não encontrariam nenhum apoio em editoras maiores. Mas, acredito, o maior mérito de uma editora independente é promover o encontro entre as pessoas e o encontro das pessoas com os escritores e seus livros. Tenho defendido que não acredito em uma literatura que não promova o encontro entre as pessoas.

NM – O catálogo da Patuá, em sua ampla maioria, foca a Poesia. Poucos são os editores que apostam neste gênero. O que você vê que outros não veem?

EL – Talvez eu beba mais cerveja que os outros editores! Mas, falando sério, a poesia pede um amor, uma dedicação e um desapego que muitas pessoas não estão dispostas ou interessadas. Eu tenho muita fé nos autores que publiquei ou ainda publicarei, acredito neles, na importância deles. Que não é uma importância capitalista, nem financeira. É humana. Eu publico autores que acredito.

NM – Você acredita que a poesia ainda é pouco lida pelo leitor brasileiro?

EL – É importante dizer que a poesia é pouco lida pelos leitores do mundo inteiro. E é pouco lida desde a antiguidade. No livro A arte de amar, de Ovídio, o autor já diz que a poesia não é mais uma honraria, que mesmo Homero, se vier com versos, mas sem presentes, não será bem recebido. Ele já afirma isso então há dois milênios? Sim! As pessoas têm uma tendência ao pessimismo sem conhecimento. Queremos acreditar que nossa época (e todos são assim, em todas as épocas) é decadente, é pior. Talvez para justificar fracassos pessoais.

Psicologias à parte, sou um homem de muita fé, muito otimista, mas muito realista. Temos trabalho a fazer, de formação de leitores, de distribuição de livros, de encontrar alternativas à lógica do mercado que quer excluir a grande maioria das pessoas. Se os leitores lêem pouco poesia, temos que encontrar soluções. É o que tentamos fazer todos os dias.

Na Patuá, incentivamos muito a leitura entre os nossos autores. Não cobramos pela edição e realizamos um trabalho de excelência, o mínimo que espero que um autor é que se interesse minimamente pelo trabalho do outro. Que leia, que eventualmente compre livros, que se encontrem e discutam a literatura. Isso é enriquecedor e somente esse envolvimento pode ajudar (também financeiramente) uma editora séria e honesta.

NM – Muitos comentam que a Literatura, entre as artes, anda sendo a mais esquecida. E que há muito a se fazer quanto a incentivar ações que promovam a leitura. Você concorda com isso?

EL – Todas as artes são igualmente importantes, eu defendo a Literatura por trabalhar com ela e por ter uma relação íntima. Acho que o esquecimento vem do descaso, principalmente dos próprios escritores. Recebemos uma centena de livros por mês, considerando outras editoras, maiores ou menores, são milhares de escritores espalhados pelo país. Não são leitores? Por quê?

Concordo que precisamos de ações de incentivo, mas elas devem ser coordenadas e contínuas. Trabalhei muitos anos com produção cultural e com projetos de instalação de bibliotecas públicas no interior do Estado de São Paulo, tenho experiência que ações isoladas são muito importantes, mas de curto efeito e sempre submetidas à vontades políticas. Precisamos, para aumentar o número de leitores, ações educacionais, culturais, estéticas e financeiras.

Temos mais escritores que leitores, mais editoras do que livrarias e bibliotecas. A lógica está inversa, não está? Precisamos de mais leitores do que escritores, de mais bibliotecas e livrarias do que editoras (e não quero reduzir o número delas, apenas inverter a pirâmide). Há muito o que se fazer.

NM – Quais são as maiores dificuldades enfrentadas pela Patuá?

EL – O maior problema é financeiro. Fazer livros é maravilhoso, vende-los é uma tarefa constrangedora. Ao mesmo tempo, se fosse fácil, acho que teríamos ainda mais editoras e menos leitores. A dificuldade também preserva a literatura, faz com que exista um filtro. Claro, não precisaria ser tão difícil. Precisamos de equilíbrio.

NM – Qual tem sido a recepção dos livros da Patuá junto ao público?

EL – Excelente. Posso dizer que criamos um novo padrão de qualidade para o mercado de editoras independentes. Fazemos livros com muita qualidade, tanto gráfica quanto literária. Ousamos em formatos, ilustrações, acabamentos.
Claro, conseguir leitores e reverter essa qualidade em venda de livros ainda é difícil, mas está sendo uma experiência incrível.

Além do público, estamos conseguindo alguma repercussão entre críticos e recebido alguns prêmios. Em 2012 recebemos um prêmio ProAC – Programa de Ação Cultural e este ano uma de nossas autoras está finalista do prêmio Jabuti.

NM – O que fez Eduardo Lacerda se apaixonar pela leitura?

EL – Eu sou um apaixonado pela leitura, principalmente pela poesia. Não sei quando isso começou exatamente. Minha primeira lembrança de leitura, de livro, foi uma leitura da minha mãe pra mim de um livro do Paulo Coelho. Sim, Paulo Coelho. Meus pais são pais-de-santo da Umbanda, sempre tiveram interesse por livros espíritas, esotéricos, de iniciação religiosa. Eu tenho um interesse e carinho enormes pela religião, embora, como literatura, isso não me interesse mais. E estou dizendo que apenas não me interessa, não perco meu tempo dizendo que é ruim, que é lixo. Isso é pedantismo.

NM – É fácil para você conciliar o processo de criação com a vida de editor?

EL – Se você está se referindo à criação literária, como poeta, sim, é difícil. Não sou poeta, eu escrevo alguns poemas esporadicamente. Até acho que alguns são bons. Também acho que eu vivo como poeta, na máxima do Piva, de que não existe poeta experimental sem vida experimental. Certo, nesse sentido, não sou poeta, mas vivo como poeta. E é exatamente por ser difícil conciliar que eu me permito viver como poeta e ser somente editor. A edição é uma atividade criativa também, embora eu passe a maior parte do meu tempo cuidando de burocracias. Eu faço a embalagem e a entrega nos correios de todos os livros vendidos, eu vou a meia dúzia de bancos diferentes todos os dias, faço notas fiscais, elaboro contratos, faço a divulgação dos livros, atualização do site e até a edição (risos). Mas eu gosto também disso, gosto de pensar que eu cuido dos livros em todas as etapas, exceto as ilustrações e projetos gráficos, que são criados pelo artista Leonardo Mathias, uma pessoa incrível, de talento sem igual. Temos também outros parceiros para ilustração, como a Mila Botura, que está desenvolvendo a arte de alguns de nossos livros, a Elis Nunes.