4 de abril de 2016

Que seja julho, então!

Individualizar um personagem, feito pessoa existente, não é tarefa simples. Criar certo efeito de repugnância ou de simpatia no leitor, talvez, não seja o que muitos escritores procuram, apenas põem no papel aqueles que imaginam e suas histórias, que sempre são muitas para se contar. Quando um personagem toma conta de um livro, praticamente ‘ouvindo-o’ apenas, é que podemos medir certa estatura de um escritor, se é que realmente nos é necessário medir algo.

Julho é um bom mês para morrer, de Roberto Menezes (Patuá, 2015) é um romance que tem, em perspectiva, a história de algumas mulheres, entre elas Laura, uma blogueira de trinta e cinco anos, que está às vésperas de ter o seu prédio demolido, sendo ela a única moradora, ainda, residente.

Sem querer deixar o apartamento que possui, com um medo profundo de enfrentar a realidade, tendo em vista o que passou até ali, Laura ergue paredes para que ninguém entre em seu apartamento e que seja, assim, demolida junto a inúmeras toneladas de pedra e concreto.

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Enquanto a demolição não vem, juntamente com o seu desabar, Laura resolve escrever uma carta para a mãe que a abandonou na infância, Lucy. Laura nunca a encontrou, nem sua irmã Lara, nem sua vó nunca se aprofundou sobre o caso. Essa busca incessante é o que move a história de Laura, mas não uma busca que envolve aventuras nem um enfrentamento com a realidade do mundo, mas uma busca que explora o ser interior, uma luta contra uma possível depressão, se é que Laura já não a tem. Esse percorrer, que se mantém vivo devido à lembrança da mãe que nunca teve, do início ao fim, mostra uma personagem que já nasce para o mundo, de certa forma, 'quebrada'. Não há um local seguro para Laura, nem as drogas e o álcool, nem a religião nem a meditação são fortes o suficiente para salvá-la, a sua única esperança é poder se ouvir, se entender e se render à vida, enfrentando-a, sabendo que nunca conhecerá Lucy.

 

O livro

Assim, durante toda a narrativa, o que se vê é uma personagem perdida. Não saber, talvez, a história de alguém que lhe deu a vida ou não ter contato com sua mãe parece tê-la atingido de maneira brusca. Dessa maneira, Laura vai narrando momentos de sua vida, desde a adolescência, contando como foi seu trato com a religião e algumas experiências sinergéticas, passando pelos momentos em que o álcool e as drogas fizeram parte de sua vida de maneira íntima, até chegar ao momento em que ganhou na loteria. Sim, ela acerta na quina e, por um momento, breve, não acredita que ganhou. E isso deveria ser um ponto de reviravolta, aquela peripécia que ficamos a esperar no romance, porém não é o que acontece, e nem parece ser essa a intenção do autor.

Roberto Menezes cria uma personagem que talvez seja próxima à realidade de muitas pessoas. É óbvio que Laura nutre certa depressão, causada pela falta da mãe. Essa tristeza de nunca ter podido encontrar a mãe causa-lhe tamanha angústia. O muito que fica a saber sobre como Lucy era quando mais nova sabe da boca da escritora Maria Valéria Rezende, e aqui Roberto Menezes trata de interseccionar os dois planos, da ficção e da realidade, permitindo que o leitor, realmente, sinta-se próximo às dores de Laura.

Porém, essas dores podem vir causar um certo cansaço no leitor. Durante onze capítulos, é possível conhecer a história de Laura e seus desapontamentos. Que sua vida não é das melhores ficamos a saber desde o primeiro parágrafo:

Oi, Lucy. E aí, como vai? Por aqui, pra não sair da mesmice, vai nada bem, eu de novo tentando escrever pra você. Eu, Laura, já não mais desesperada por sua atenção, escrevendo pra você.

E durante todo o romance é isso que é narrado, as desventuras de Laura. Ficamos na expectativa se algo de ‘bom’ poderá acontecer a ela ou se haverá algum encontro, algo que a deixe maravilhada. O que se vê é que Laura é uma pessoa desafortunada, nada acontece de razoável em sua vida, não há perspectiva de algo positivo. E quando ocorre algo que poderia ter sido verdade, ficamos sem saber se realmente aconteceu. Em meio a tantas drogas, à angústia dela, não sabemos se sua memória é confiável. Laura é quem dita tudo, quem conta tudo, e como contadora de uma história que a tem como personagem principal ela mente, exagera e se perde mais do que já está.

Na verdade, a construção da personagem parece beirar o exagero, cheio de frases que tentam ser fortes e emotivas, por um momento, ficamos a imaginar que o autor errou a mão, que se fazia desnecessário tantas 'frases de efeito'. Contudo, na elaboração do personagem, mesmo que no final eu ainda acredita que muitas dessas frases se fizessem desnecessárias, o autor consegue modelar uma Laura que existe, que se faz real ao nosso redor. Sua personalidade e caráter ficam evidentes durante a narrativa e sua elaboração. Roberto Menezes se erra, erra pouco, mais enquanto construção da personagem do que numa história nitidamente negativa, angustiante.

Mas é interessante perceber, ao fim da leitura, alguns aspectos iniciais do romance. Essa não é a primeira vez que Laura tenta escrever uma carta para Lucy. Na verdade, ela escreve para si, como uma possível maneira de se libertar em seus últimos momentos. Parece querer não levar mais consigo todo o peso que carregou sempre à sombra da busca da mãe. E aqui reside o ponto positivo da obra e da escrita de Menezes. Mesmo que sua escrita fique à uma linha tênue de cansar o leitor, pois ele cria uma atmosfera de cansaço que, parece, ter sido buscada no cansaço de Laura. O autor, essa é a ideia que tenho, enquanto fabulação da história, quis que sentíssemos o que Laura sente, mas sabendo dessa impossibilidade cria uma atmosfera que não há perspectiva de melhora para a personagem, o que existe apenas é Laura, não há Lucy, não há Noêmia, não há Lara, não há Pai, não há mais ninguém. Todos já não existem ou não estão à volta daquela que narra, o que existe é apenas um apartamento emoldurado por tijolos que agora a oprimem, mas a salvam, a libertam.