1 de abril de 2024

Floresta de lã e aço, de Natsu Miyashita

“Na manhã seguinte, caminhei na floresta. Pisei no capim e alisei o tronco castanho-avermelhado das árvores. Escutei o canto de um pássaro. Que saudades. Será que tinha esquecido? Será que o meu coração se afastara deste lugar? O vento soprou e senti o cheiro da floresta. As folhas balançaram e os galhos sussurraram. Quando a folha verde caía da árvore, ouvia-se um som impossível de encontrar em qualquer escala musical. Ao encostar o ouvido no tronco, senti o leve som das raízes absorvendo a água. O pássaro cantou mais uma vez.

Eu conhecia. Eu conhecia, sim. Tive vontade de gritar. Eu conhecia o som daquela árvore sussurrando. Foi por isso que senti saudades. Foi por isso que me emocionei.

Eu conhecia o verdadeiro som do piano. Desde muito tempo antes. Talvez o primeiro instrumento musical tivesse nascido na floresta.” (p. 131).

Tomura é um jovem de dezessete anos, estudante do Ensino Médio, que se encanta quando escuta Itadori, um afinador de pianos, tocando o piano da escola onde estuda. O som produzido pelo piano o leva para um lugar especial ainda quando criança: a floresta! Ele sente o cheiro, o som, as nuances e detalhes do espaço natural que outrora fez parte de sua infância. Ao perceber a admiração do garoto, Itadori o convida para visitar a loja onde trabalha. A partir daí, Tomura direciona a sua vida para a música, para seguir, precisamente, a profissão de afinador desse instrumento.

Assim como qualquer jovem de dezessete anos, Tomura é repleto de incertezas em sua vida. No entanto, de uma coisa tinha certeza: permanecer em seu lugar de origem – uma região rural rodeada de montanhas e florestas – não era o plano a ser seguido, pois o mundo era para além daquelas montanhas que avistava, embora ali também fosse um universo de vivências. O objetivo, então, era continuar os estudos na cidade para, assim, concluir o ensino básico. Essa escolha o levou para perto do caminho que seguiu assim que concluiu os estudos. Mas, mesmo tendo a certeza de que um dia seria um reconhecido afinador de pianos, Tomura era tomado por diversos questionamentos, principalmente ligados a uma incapacidade, uma ausência de talento, ou a uma ineficácia em sua determinação.

Ao se formar no curso de afinador, Tomura é selecionado para trabalhar na mesma loja que Itadori. Começa então uma jornada de aprendizados, mediante erros e acertos, em cada visita que realiza na casa dos clientes acompanhando os afinadores mais experientes. Nesse período, Tomura conhece duas irmãs apaixonadas pelo instrumento, e cria, então, uma admiração pelas duas, principalmente por Kazune, que escolhera trilhar o caminho de ser tocadora de pianos.

Com uma escrita repleta de sutilezas e poética, Natshu Miyashita apresenta trechos nos quais nos debruçamos no abissal espaço das reflexões sobre dizeres e ações que aparentemente parecem banais, mas que se pararmos para pensar, requer de nós uma autocrítica ou análise de quem somos ou que possamos fazer para com o outro ou com nós mesmos. No trecho abaixo, por exemplo, o personagem Tomura fala algo que faz a gente pensar sobre nosso caminhar, ao mesmo tempo que devemos lembrar das pessoas que estão conosco, e nas precisam de nossas habilidades para realizar algum sonho delas.

“... sozinhos não conseguimos resolver nada. Temos que nos aproximar passo a passo, certificando-nos de cada pisada. Como seguimos pelo caminho com cuidado, os passos ficam. Se nos perdermos e for preciso retornar, esses passos servirão de referência. Podemos analisar até onde temos que voltar e onde é que desviamos do caminho. Corrigir os erros. Ajustar atendendo à solicitação dos outros. Enquanto avançamos para a direção almejada, as muitas dificuldades pelas quais passamos, os erros que cometemos, ficam gravados nos nossos ouvidos, no nosso corpo, e por isso temos condições de ouvir o desejo dos outros e realizá-lo.” (p.105).

Na citação acima, vemos que Tomura é um jovem em formação, que precisa, acima de tudo, atravessar diversas situações para se moldar enquanto profissional e ser humano, afinal somos resultados de nossas vivências. E essa sua construção é que acompanhamos do início ao fim da obra. Uma construção na qual muitos leitores se enxergarão no personagem.

No final, percebemos que a vida é uma música que requer sempre ajustes. Seja errando ou acertando, temos sempre que realizar tais ajustes. Buscar um som perfeito para a vida. O que se precisa é que cada um de nós encontremos a nota perfeita particular. Cada qual em sua nota, mas que juntos compõem a canção chamada VIDA.

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Sobre Natsu Miyashita: Nasceu em 1967 na província de Fukui, no Japão. Desde criança vive uma paixão pela literatura e pelo piano, instrumento que aprendera a tocar desde muito cedo. Recebeu o prestigioso prêmio Japanese Booksellers’ Award em 2016 por seu livro Floresta de lã e aço, escolhido como livro do ano por meio de votação de livreiros de todo o país. Foi traduzido para mais de dez idiomas e transformado em filme em 2018 por Kojiro Hashimito. (Fonte: site da Editora Zain).

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Segue abaixo algumas dicas de vídeos sobre a obra em destaque:

Resenha do livro no canal "Nu Licolino Lê", no Youtube ( Clique aqui )

Resenha do livro no canal "Gira Trinco", no Youtube ( Clique aqui )