
Vou me casar com Zeca Pagodinho
por Lygia Maria Andrade
Meus pais contam que eu sempre dizia que ia me casar com o Zeca Pagodinho quando crescesse. E, apesar de ser uma fala bem aleatória para uma criança de seis ou sete anos, já mostrava muito da minha personalidade. Eu acho bonito pensar sobre coisas nossas que não se formaram com a vida, que talvez tenham vindo na alma.
Hoje entendo: o que eu sentia era admiração pelo que ele representava e representa. Zeca é uma parte bonita do que somos. Eu acho, por exemplo, que Zeca é a personificação do subúrbio. E eu acho que o subúrbio é muito mais Brasil do que os outros lugares. Certamente os pais e os vizinhos de Zeca botavam suas cadeiras na calçada à noite e conversavam até tarde. Só quem é do subúrbio entende dessa cena.
Quando Zeca faz um sinal com os dedos na cabeça e diz "Atotô Obaloaê", que eu não tenho ideia do que significa, ele é mais brasileiro do que quem faz outros sinais. E não quero desmerecer religião de ninguém. Entendo que tudo que precisou de esforço pra permanecer tem força maior, simbolicamente falando.
É assim a macumba, o samba, o subúrbio. Zeca é isso tudo.
Ao dizer que iria me casar com o Zeca Pagodinho, assim sem explicação racional, eu era uma criança dizendo quem era. Veja bem: a criança sabe o que é, só não sabe explicar.
Depois a criança cresceu, usou camisa preta de rock, prendeu fotos do Bon Jovi na cortiça do quarto. Isso tudo para conhecer outras áreas. Conheceu, viveu esses amores e voltou pra ser quem era.
Só adulto a gente racionaliza. Com doze anos, eu dizia que iria me casar com meu professor de português. Adolescente eu dizia que iria me casar com Jô Soares e com Caetano. Adulta, eu me casaria com meu professor da faculdade. Em todos esses momentos eu estava dizendo quem eu era.
Mas é interessante pensar que eu sempre usei o verbo casar para fazer isso. Desde os seis anos. E sobre isso eu ainda preciso pensar. Ou levar para a terapia?
O que eu sei é que sou um pouco de todos com quem já quis me casar, mas Zeca é meu matrimônio mais antigo. Quase bodas de esmeralda.
Celebro numa ceia com pãozinho e flor.