20 de outubro de 2023

As últimas crianças de Tóquio, de Yoko Tawada

Quem me conhece sabe o quanto sou entusiasmado com a literatura de Yoko Tawada. Desde o primeiro contato (com The bridgeroom Was a Dog, ainda inédito por aqui), sigo mantendo o interesse e o entusiasmo.

Já começo a identificar algumas de suas obsessões, como a linguagem e idiomas, brincando com palavras e os múltiplos sentidos e significados. Outra é a zona borrada entre o real e o imaginário, o material e o imaterial, o concreto e o abstrato.

Em As últimas crianças de Tóquio (Trad. Satomi Takano Kitahara e outros), esses elementos são levados a um futuro distópico, em que os velhos são fortes, longevos e ativos e as crianças cada vez mais frágeis e breves. O Japão se isolou do resto do mundo e enfrenta um período de escassez, tensão política e proibições do uso de palavras estrangeiras. Nesse contexto, Yoshirô cuida do bisneto Mumei, tentando dar a sua vida frágil e provavelmente breve, um pouco de afeto e alegria. Reclusos em uma Tóquio devastada e sem importância, vão tentando vencer os dias postos como desafios e buscando beleza em pequenas coisas e nos retalhos de memória que vão se juntando para formar um mosaico monocromático de uma existência alicerçada em um outro tempo e atravessada por esse outro.

Com ritmo lento e melancólico, Tawada atenta para os desafios ambientais do mundo presente e para indiferença que o marca. Indiferença que ultrapassa a política ambiental e alcança a política dos afetos e da convivência humanas. Além disso, aponta para o desejo de eternidade e a recusa do envelhecer tão comum em nossos dias. Apesar dos anos, os corpos idosos mantém a vitalidade e sob esses ombros o presente se sustenta. Os velhos não podem ser descartados, porque o agora e o amanhã pertencem a eles, nessa cidade que prolonga seus dias e encurta o das crianças. O ceifador não aponta sua lâmina ao pescoço do centenário Yoshirô, mas do recém-chegado Mumei.

Tawada constrói uma distopia da delicadeza, do não dito, das entrelinhas, mostrando que o amor familiar pode romper e superar com os limites e imposições de um tempo árido e hostil, tudo a fim de revelar que o de mais insólito e resiliente na existência humana é a própria existência.

*Cortesia da editora.