19 de janeiro de 2023

Menos ainda, de Ana Elisa Ribeiro

Menos ainda, senão nas coisas

Gosto de avisar que não sou crítico literário. Sou leitor, cada vez mais por prazer. Por obrigação já fiz muito, quando estive professor de ensino médio, depois funcionário público em setor de editoração. Agora leio o que me dá na telha. Às vezes, escrevo.

Li Menos ainda, de Ana Elisa Ribeiro, poeta, editora, professora, não necessariamente nesta ordem. Faço aqui alguns comentários de boas vindas ao livro e aos leitores, nesta ordem.

 

mamãe, mamãe 

uma poeta 

onde? 

bem ali, 

olhe lá 

cuidado, cuidado 

não chegue muito perto 

que linda, mamãe! 

mantenha distância: 

ela solta versos 

pelas ventas

(Criancinhas e dragões, p. 12)

 

Se para muita gente poeta e gente leitora a poesia é predominantemente um jogo de palavras, para Ana Elisa Ribeiro, posso supor, a partir de uma cuidadosa leitura, que isso não acontece, embora o jogo se faça presente, como parte fundamental da estrutura do texto, necessário e inevitável. Ana Elisa se delicia no jogo e na brincadeira, mas a todo momento, a cada palavra, verso, poema, ouve o suposto recado da mãe: 

“vai,filha, 

desbravar trilha”.

Sabe que, sem deixar de endurecer, não deve perder a ironia, parodiando o Guevara, sem licença. Sai do eu lírico, que doeu e dói, escravo na primeira, na segunda e na terceira pessoa, de certo individual-emocionalismo, para entrar no reino das coisas, com ou sem a camaradagem de Francis Ponge. Objetos, substâncias e seus poucos adjetivos definem melhor realidades, eventos, vida ou morte, como nesta bela homenagem à poeta, ensaísta e tradutora Laís Corrêa de Araújo:

 

O oco dos móveis 

  • sem os livros. 

O vazio dos cômodos 

sem lâmpadas acesas 

dentro de lustres 

semidesligados     

....

(Visita a Laís, p. 40)

 

 

A poesia, Ana Elisa Ribeiro sabe, não pode ser vista senão nas coisas, na transparência destas, no belo ou horrível destas, sejam objetos animados (gente-coisa) ou inanimados: 

 

a poesia 

tem se escondido 

atrás das coisas

...

  • poesia 

também sofre 

na estiagem.

 

(El niño, p. 49)

 

 

Pedro Américo de Farias é pernambucano de Ouricuri e, atualmente, vive em Belo Horizonte. Escreve e diz poesia, ensaia prosa crítica e ficcional. É licenciado em Letras. Exerceu atividades de gestão cultural na Fundação de Cultura Cidade do Recife (1986 – 2014), onde desenvolveu inúmeros projetos, entre os quais o Festival Recifense de Literatura – A Letra e a Voz. Integrou o Conselho Editorial da Cepe – Companhia Editora de Pernambuco (2011 – 2015). Participou de diversas antologias e publicou em vários periódicos, no Brasil e fora. Entre seus livros estão: Ficção em Pernambuco – breve história. (ensaios, com Cristhiano Aguiar e Socorro Nunes pela Cepe, 2021), Desaboios (poemas, Penalux, 2020) e Viagem de Joseph Língua (romance, Ateliê Editorial, 2009).