Menos ainda, de Ana Elisa Ribeiro
Menos ainda, senão nas coisas
Gosto de avisar que não sou crítico literário. Sou leitor, cada vez mais por prazer. Por obrigação já fiz muito, quando estive professor de ensino médio, depois funcionário público em setor de editoração. Agora leio o que me dá na telha. Às vezes, escrevo.
Li Menos ainda, de Ana Elisa Ribeiro, poeta, editora, professora, não necessariamente nesta ordem. Faço aqui alguns comentários de boas vindas ao livro e aos leitores, nesta ordem.
mamãe, mamãe
uma poeta
onde?
bem ali,
olhe lá
cuidado, cuidado
não chegue muito perto
que linda, mamãe!
mantenha distância:
ela solta versos
pelas ventas
(Criancinhas e dragões, p. 12)
Se para muita gente poeta e gente leitora a poesia é predominantemente um jogo de palavras, para Ana Elisa Ribeiro, posso supor, a partir de uma cuidadosa leitura, que isso não acontece, embora o jogo se faça presente, como parte fundamental da estrutura do texto, necessário e inevitável. Ana Elisa se delicia no jogo e na brincadeira, mas a todo momento, a cada palavra, verso, poema, ouve o suposto recado da mãe:
“vai,filha,
desbravar trilha”.
Sabe que, sem deixar de endurecer, não deve perder a ironia, parodiando o Guevara, sem licença. Sai do eu lírico, que doeu e dói, escravo na primeira, na segunda e na terceira pessoa, de certo individual-emocionalismo, para entrar no reino das coisas, com ou sem a camaradagem de Francis Ponge. Objetos, substâncias e seus poucos adjetivos definem melhor realidades, eventos, vida ou morte, como nesta bela homenagem à poeta, ensaísta e tradutora Laís Corrêa de Araújo:
O oco dos móveis
- sem os livros.
O vazio dos cômodos
sem lâmpadas acesas
dentro de lustres
semidesligados
....
(Visita a Laís, p. 40)
A poesia, Ana Elisa Ribeiro sabe, não pode ser vista senão nas coisas, na transparência destas, no belo ou horrível destas, sejam objetos animados (gente-coisa) ou inanimados:
a poesia
tem se escondido
atrás das coisas
...
- poesia
também sofre
na estiagem.
(El niño, p. 49)
Pedro Américo de Farias é pernambucano de Ouricuri e, atualmente, vive em Belo Horizonte. Escreve e diz poesia, ensaia prosa crítica e ficcional. É licenciado em Letras. Exerceu atividades de gestão cultural na Fundação de Cultura Cidade do Recife (1986 – 2014), onde desenvolveu inúmeros projetos, entre os quais o Festival Recifense de Literatura – A Letra e a Voz. Integrou o Conselho Editorial da Cepe – Companhia Editora de Pernambuco (2011 – 2015). Participou de diversas antologias e publicou em vários periódicos, no Brasil e fora. Entre seus livros estão: Ficção em Pernambuco – breve história. (ensaios, com Cristhiano Aguiar e Socorro Nunes pela Cepe, 2021), Desaboios (poemas, Penalux, 2020) e Viagem de Joseph Língua (romance, Ateliê Editorial, 2009).