13 de janeiro de 2023

Janeiro, de Sara Gallardo

Sara Gallardo é uma das mais importantes escritoras da literatura argentina. Nascida em Buenos Aires no ano de 1931, Gallardo fez parte da geração de escritores de 1950, junto aos nomes de Silvina Bullrich, Marta Lynch e Silvina Ocampo. Com trajetória um tanto discreto, a escritora lançou cinco romances (dois deles recentemente lançados por aqui), um livro de contos e três obras infantis. Sua obra é marcada pela autenticidade impressa tanto no trabalho de linguagem quanto na dificuldade de se rotular, haja vista transitar entre temas e ambientes diversos. Janeiro é seu romance de estreia, lançado originalmente em 1958, cuja edição brasileira, datada do ano passado, é pela Moinhos e com tradução de Ellen Maria de Vasconcelos.

Sinopse

No pampa argentino, na metade do século passado, argentinos e imigrantes trabalham na terra e com a terra em pleno verão ardente, sob uma aparente calma. É preciso cultivar os grãos, levar o gado para pastar, ordenhar as vacas, domar cavalos, cuidar dos porcos e da vida alheia. São hábitos diários, assim como remendar calcinhas, ouvir rádio e compartilhar o mate. Por causa disso, a protagonista de Janeiro, uma adolescente de dezesseis anos chamada Nefer, anda muito angustiada.

Desde o começo da trama, ela vive o terror de: o que será que vão pensar? Nefer foi estuprada e está grávida. Assim sabemos, de uma vez, do mesmo modo que arrancamos um curativo da pele. E como lidar com uma situação dessas e, ainda por cima, em uma comunidade que não tem e/ou nega acesso à informação, à saúde e a qualquer possibilidade de afeto? Logo chegará o tempo da colheita e, com ela também a barriga prenha, por conta disso, o corpo de Nefer, quase impróprio, só espera mesmo por um milagre.

O que achei

O romance de estreia de Sara Gallardo tem uma beleza ímpar. O modo como integra a aridez do ambiente rural e a escassez de recursos e afetos à tensão interior de sua protagonista impressiona, não por uma sofisticação exacerbada, mas pela simplicidade aterradora com que costura todos revelando um trabalho de artesania preciso e organizado.

A escrita econômica, por vezes cifradas, não traz ao texto imediata identifocação ou fluidez. Traduz nas palavras e forma a aridez completa de tudo que permeia a angústia e o mundo de Nefer. A mãe desconfiada, os poucos gestos de carinho, os olhares que faz ao seu estuprador, a madrinha controladora e carola, a religiosidade imbuída de falso moralismos, o lugar indefeso e impotente que ocupa.

Nefer está à mercê do incontrolável: um corpo que parece não lhe pertencer; uma vida sem perspectivas e ambições, enjaulada no aqui e agora, sem sonhos, sem futuro. Um rosário de lamentos e dores reveladas nos silêncios, nos espaços vazios, nas conchavos desumanos que desconsideram a mulher, a menina, como um ser humano autônomo e dotado de vontados.

Pessoalmente, o romance me remeteu a Lavoura Arcaica (célebre romance de Raduan Nassar). Penso ser pela ambiência do campo, as dificuldade das relações familiares demarcados pelo medo e pecado e demarcação étnico da ocupação agrária.

Enquanto estreia, Janeiro anuncia toda a potência da escrita de Sara Gallardo, consagrada uma das maiores de sua geração.