4 de novembro de 2022

Repensar o amor

Não foi por acaso que, ao formular as bases da psicanálise, Freud recorreu à arte literária: tanto o inconsciente quanto a literatura têm em comum a sua estreita relação com o mundo simbólico. O neurologista austríaco logo percebeu isso e, sem pestanejar, valeu-se da escrita literária para explicar alguns fenômenos mentais até então desconhecidos e ignorados pela tradição positivista.

Além de revolucionar a psiquiatria e a própria psicologia, Freud acabou por repensar também o papel da literatura. Para além de suas funções estética e social, a psicanálise mostrou que a arte literária tem a capacidade de mobilizar e reorganizar aspectos simbólicos (não lineares e atemporais) em nossa mente. Foi o que aconteceu comigo ao ler o Máquina de costurar concreto, da Amanda Ribeiro. Poeta de Belo Horizonte, Amanda apresenta uma impressionante metáfora para o amor: uma máquina de costura capaz de tecer e unir a casa da pessoa amada e a da pessoa amante.

Uma vez que o amor não deixa de flertar com a brutalidade, o poema que dá título à obra encena o movimento de duas casas que, no desejo da união, acabam por arrastar tudo o que veem pela frente - e assim se unem pelas janelas, portas, paredes. O amor aqui é a máquina que costura o concreto desses dois lares e, para isso, arrasta o que encontrar no caminho - amar é, ao mesmo tempo, destruir e reconstruir, coabitar e ampliar a concretude dos afetos.

Antes de ler esse poemário da Amanda, o amor era uma ideia mais ou menos assentada na minha cabeça: sentimento ambíguo, cambiável, finito. Mas a imagem de uma máquina de costura para concreto me reconectou com o enorme esforço que fazemos para amar, para sermos amados ou amadas, para sobrevivermos com ou sem o amor de Outra Pessoa, para entender o amor como um fenômeno também urbano e geoafetivo (a autora elabora imagens vertiginosas para a cidade de Belo Horizonte).

O esforço do amor é o que motiva a poesia da Amanda Ribeiro, poeta mineira que mexeu com as minhas certezas.

Leiam Máquina de costurar concreto! Leiam Amanda Ribeiro! Leiam mulheres!