10 de outubro de 2022

Poesia e poeira

Estes dias estive na Travessa do Rio de Janeiro e fiquei com muita pena dos poetas, com pena de mim também, se é que posso derramar aqui um pouco de autopiedade. Bem no centro da livraria, enquanto o meu namorado buscava uns guias de arquitetura, eu contemplava todas as estantes enormes e me perguntava: onde está a poesia?

Há uma estante até chamativa, nomeada com as garrafais POESIA. Quase em frente, havia também uma mesa com lançamentos independentes. Livros fininhos, bonitos e muitos. Bom, né? Entretanto, estes dois espaços, ínfimos em relação à totalidade da livraria, estavam repletos de ausência humana: ninguém nem sequer chegava perto da estante, dos e das poetas que vão integrando o mosaico da lírica nacional e internacional. A livraria estava cheia e, por isso, bateu uma sensação estranha, difícil de nomear, situada entre a tristeza, a indignação e o desespero.

A pergunta insistia e se desdobrava em outras: quem lê poesia hoje? Quem, além daquelas e daqueles que escrevem poesia? Quem?

Enquanto pensava e olhava, ninguém havia se aproximado dos livros de poemas. Ninguém, exceto eu ali plantado, feito besta. Estive na livraria por quase uma hora e não houve vivalma capaz de comprar um poemário que fosse.

Aproveitei a solidão seletiva para observar bem os livros de poesia… entre muitos títulos e não muito dinheiro, resolvi comprar o Livro das Semelhanças, da Ana Martins Marques, uma poeta excelente, uma escritora que eu estudei na faculdade de Letras e depois não voltei a ler com a devida atenção. Dias antes, não sei bem por qual razão, joguei o nome dela no Google e, também por curiosidade, cliquei em imagens. Dentre as fotos da poeta, não achei uma em que a escritora sorrisse até o fim, a dentes soltos. Encontrei-a em semisorrisos, em quase felicidade, em lábios talvez clariceanos… quem sabe se essas fotos não são o sinal de que ela já estava partilhando comigo, por antecipação, a tristeza diante do parco interesse humano pela poesia? Quem sabe o quase-sorriso da Ana Martins Marques não fosse um manifesto, uma indignação silenciosa e constante?

Ana Martins Marques sabe que, no momento, a poesia parece atrair apenas poeira e poetas. As editoras e livrarias estão aí no meio, embora com posturas bem questionáveis.

Ana, querida. Estou aqui com o seu livrinho em minhas mãos. Estou revivendo o fascínio da sua palavra poética e agradeço por insistir, apesar da poeira.

Obrigado!