10 de março de 2022

Por que ler Sunny?

A trilogia do selo Tsuru, da editora Devir, traz histórias de crianças em um abrigo no Japão

O título “Sunny”, traduzido para o português significa ensolarado, mas na verdade é o nome de um carro velho de cor mostarda da marca Datsun, abandonado no quintal de um abrigo. O carro é o refúgio das crianças quando estão tristes ou com raiva, e querem ficar reclusas por algum motivo. Sunny é também o lugar de fuga, onde elas criam mundos imaginários, sonham com o retorno ao lar com suas famílias.

Cada volume dessa trilogia traz histórias de uma das crianças do abrigo Jardim Escola Hoshinoko que são deixadas por suas famílias por diversos motivos, e são essas histórias de cada uma que vemos nos três volumes. O reflexo do abandono, da desesperança e a desilusão de cada uma. Não é um orfanato de crianças que perderam os pais, muitos deles estão vivos, mas nenhum possuem condições financeiras, psicossociais e afetivas de cuidar de uma criança. Sendo assim, deixadas no abrigo para serem adotadas por outras famílias ou até completarem a maioridade.

Duas crianças se destacam nas histórias e por terem comportamentos bem distintos, ambos sofrem da mesma angústia que as demais crianças. O extrovertido e travesso Haruo é um menino com cabelos brancos que se comporta como um rebelde, para toda travessura que apronta ele tenta se justificar a necessidade do ato, não vai à escola e está sempre à revelia ao receber ordens. Enquanto o tímido e introvertido Sei, que sempre usa a mesma roupa desde que chegou ao abrigo, um óculo e um boné, é daqueles que se interessam por coisas peculiares da natureza, como sapos, borboletas, gosta de ler e frequentar a escola etc Fala pouco dos seus sentimentos, mas seu jeito de ser expressa claramente o desejo de que sua mãe volta a busca-lo no abrigo, que ele está ali apenas de passagem até ela resolver os problemas do trabalho.

Na contramão das aventuras e brigas entre as crianças no cotidiano do abrigo, e elas tem tarefas como cuidar do quintal, do cachorro, arrumar os quartos, lavar os banheiros o que ocupam o tempo delas enquanto não estão na escola. Comparações são inevitáveis, o tempo comparam a vida de antes com a do abrigo, o tratamento por serem crianças de abrigo e não de famílias estruturadas, a ausência de itens que o abrigo não tem condições de fornecer a todas elas como materiais escolares novos, roupas etc.

A trilogia traz um retrato de uma realidade de como o status social desde a infância afeta emocionalmente as crianças, como a realidade social do Japão é bem diferente do que conhecemos no Brasil, as crianças do abrigo tem acesso livre enquanto no Brasil há um aprisionamento. Claro que não cabe comparações por serem realidades totalmente díspares, mas é curioso ver o tratamento e possibilidades que são oferecidas as crianças.

Respondendo à pergunta dessa resenha, por que ler Sunny? A trilogia para além do contexto social traz questões afetivas, emocionais e psicológicas das crianças, mostra como o comportamento delas refletem a realidade que sentem, muito mais direcionada ao que elas sentem do que vivem. Na maior parte da narrativa elas gostam de estar no abrigo, e se acostumam com a dinâmica e rotina de crianças que vão para adoção e acabam voltando até por opção própria.

O primeiro volume não empolga muito, já o segundo e o terceiro te envolvem emocionalmente com os dramas das crianças que você não consegue largar. Estruturalmente a narrativa é dividida como se fossem contos em quadrinhos, o que torna interessante o conjunto da obra.

Taiyo Matsumoto passou boa parte de sua vida em casas de acolhimento, o que podemos esperar de Sunny é um relato da sua experiência pessoal. No começo de carreira na década de 1980 adquiriu forte influência francesa quando passou uma temporada no país, o que reflete claramente no seu estilo e perfil de produção. Se tornando adepto a séries curtas, ele transita por diversos temas como esportes, comédia, drama, ficção científica etc. Considerado um mangaká de sucesso e bastante premiado já possui diversas publicações de sua autoria no Brasil por várias editoras, pela Devir além de Sunny também lançou Tekkon Krinkreet, que narra a aventura de dois jovens órfãos em uma cidade imaginária dominada por yakuzas e policiais.