3 de dezembro de 2021

Stuck Rubber Baby: quando viemos ao mundo

Editora Conrad publica edição comemorativa de 25 anos da HQ que traz à luz uma discussão ainda necessária 

Uma narrativa ficcional baseada na experiência de Howard Cruse, muito bem contextualizada e traduz uma realidade de um país ainda racista, homofóbico e segregacionista. Muitas vezes, pensamos que o nosso país é sempre o pior, mas quando o assunto é discriminação até a casa do vizinho se torna suspeita.

É inadmissível em pleno século 21, com tecnologias de que dispomos com acesso às informações e tantos debates, que aceitemos qualquer forma de discriminação, seja ela racial, de gênero, sexual, física etc. Chegamos em 2021 e as cenas se repetem...como conhecemos desde o século passado.

A HQ não rememora o período da colonização americana, mas retrata os reflexos desse processo histórico na sociedade que predominava ainda nos anos 1960 e 1970 (isso mesmo, em pleno século 20, percebia-se as marcas da colonização). Os EUA eram divididos em Norte e Sul, onde o sul predominava a exploração colonial e os nortistas eram protestantes refugiados da Inglaterra. Consequentemente a grande maioria populacional do sul era de negros, descendentes de ex-escravos. Bastante marcado pelo preconceito, os estados do sul possuíam uma militância forte e encorajada pelos seus direitos e pelo fim da perseguição de grupos extremistas como o Klux Klu Klan, responsável pela maioria dos ataques aos negros no país, por uma ideologia de supremacia racial.

Toland Polk relata sua experiência enquanto homem branco, pobre que se une aos amigos e ativistas pela luta de direitos não só dos negros, mas da liberdade de ser, ser negro, ser homossexual e ser livre. Em meio a essas lutas sociais ele se vê na descoberta de sua sexualidade e mesmo seguindo a ideologia militante ele não se via como um deles.

A HQ explora esse assunto, mas ao mesmo tempo mostra a contradição de um personagem (alter ego do quadrinista) que dá voz as suas percepções da época, em que o tempo todo fica tentando se renegar sexualmente mesmo estando inserido numa luta social e de gênero, da qual não considerava como sua. Quando Poland se vê em uma situação inesperada de tentar ser um heterossexual, engravidar sua namorada e depois admitir que não era isso o que queria, a decisão de entregar a criança em um orfanato rompe toda a perspectiva de que o personagem poderia levantar a bandeira e assumir as consequências de seguir o padrão social conservador de uma família tradicional.

Durante toda a narrativa várias questões são postas sobre o comportamento dele, as atitudes e a pergunta sobre o fruto gerado pelo medo de Poland em não se assumir. A pressão social, o medo e a falta de amparo não foram suficientes para justificar o desfecho da narrativa.

O essencial dessa graphic é o contexto claro e evidente que Cruse coloca sobre os anos 1960 e 1970 no sul dos EUA da extrema violência e perseguição aos negros e aos homossexuais. Tratamento este que ainda persiste nos dias atuais.

A arte é bem estilo underground em P&B carregada de diálogos com extensos textos nos balões, tornam o quadrinho moroso de ler. Ao final da HQ extras e relatos sobre a produção da graphic pelo autor com detalhes das referências que utilizou e de suas pesquisas, tirando um pouco a ideia de que a HQ seria autobiográfica. A HQ possui erros de revisão que precisam de serem corrigidos, um deles é o sobrenome do próprio autor (aparece Cruise, em vez de Cruse). Cruse faleceu em 2019, após lutar contra câncer do linfoma.