19 de novembro de 2021

W. B. Yeats, o pessimismo e a Literatura

Sem dúvida, um dos privilégios de estudar um autor e sua obra é o de tomar contato com suas leituras. Assim me ocorreu quando descobri que um dos poetas lidos por João Ubaldo Ribeiro, cuja obra tive o prazer de estudar no doutorado, foi o irlandês ambicioso e ambíguo, a quem Ezra Pound reconhecia como o único poeta a ser verdadeiramente estudado, William Butler Yeats.

Li recentemente seus Collected Poems, mas principalmente The Green Helmet and Other Poems (1910), que já revela um Yeats numa fase de transição para o misticismo, uma poesia de viés mais religioso e oculto (não à toa, por essa época o autor traduziu os dez principais livros dos Upanishads, importante coletânea do hinduísmo).

Recobre essa tendência uma característica inelutável da modernidade, aqui compreendida como uma sensação de desencaixe no tempo e espaço com mudanças históricas e sociais capazes de deslocar o sujeito de si mesmo, em apenas uma das formulações propostas por Anthony Giddens. Essa característica, a meu ver, seria o pessimismo.

Embora recoberto de um humor ácido, os romances de João Ubaldo Ribeiro da “segunda monta”, como chamo todos aqueles que vêm depois de sua obra fundamental, Viva o Povo Brasileiro, estão recheados de um pessimismo sestroso, engraçado, satírico, mas também cruel. É assim com os romances O Pássaro Azul e O Diário do Farol. Quem ler verá.

Nada, porém, compara-se a como W. B. Yeats descreve a natureza e seu mistério com tons melancólicos (que o diga These are the clouds, His dream e Words, poemas em The Green Helmet). O irlandês tinha mais uísque na veia e menos humor no sangue.

Tal tendência, a que o romantismo deu, talvez, forma e conteúdo em especial na Europa, complementa-se com Joris-Karl Huysmans e seu Jean Des Esseintes (Às avessas), em Emily Bronte e seu Heathcliff (em O Morro dos Ventos Uivantes), em Faulkner e a decadência moral dos Sartoris, em todos os protagonistas tristes de Michel Houellebecq. Exemplos não faltam.

Essas experiências de deslocamento (do sujeito em si) e de desencaixe (para com seu tempo, espaço, modo de vida) acompanharia essa crise de um sujeito descentrado de si e do seu tempo; algo que se observa em personagens e eu-líricos desencantados com tais suscetibilidades, em crises de hipercrítica e de hiperreflexividade sobre si, sobre o mundo e sobre a vida. À ponto, talvez, de formular tendências narrativas modernas por excelência (o fluxo de consciência, a metanarrativa).

Se o que caracterizaria a transição do mundo antigo para o chamado mundo moderno é o abandono de metanarrativas ascéticas, como diria Max Weber, a modernidade é pessimista até o ponto em que as experiências de deslocamento e de desencaixe geram na literatura moderna uma sensação de profundo desencantamento do mundo. Não que o pessimismo fosse inventado pela vida moderna, aquela profundamente afetada pelas consequências da revolução industrial, da revolução francesa e pela revolução científica do século 19, segundo Carlos Eduardo Sell. Porém, o pessimismo é visto de uma forma mais profunda, ascética por excelência, numa conformação única, irmanada de todos os sentimentos de desencanto e de langorosa inadequação entre personagens, eu-líricos e mitos modernos.

Volto à William Butler Yeats, mas também a Rui Noronha e Agostinho Neto, um poeta moçambicano e outro angolano, para deixar aqui a seguinte indagação: o pessimismo, na literatura (que se quer) “universal”, seria um privilégio branco e ocidental? O chamado afropessimismo se manifesta com o mesmo viés ascético?

Nota-se, pelos poemas África, surge et ambula de Rui Noronha, ou Aqui no cárcere e Kinaxixi, de Agostinho Neto, que a esperança e o desejo de luta é o fio condutor de narrativas pós-colonizantes (expressão minha) nos países africanos lusófonos cuja independência se deu no século XX. Karl Marx daria pulos de alegria se em vez de “privilégio branco e ocidental” eu aqui dissesse “privilégio burguês” (mas Frantz Fanon já o fez, de certa forma).

W. B. Yeats, conservador, ambíguo, admirador de Mussolini e simpático à eugenia era um pessimista, afinal. E daqueles que, na última fase de sua obra, do abandono da crença numa Irlanda nacionalista e pujante, segue em potencial transição para a inadequação aos tempos como o último bastião da salvação para ele mesmo.

Se a nação é o que resta quando a sociedade fracassa, como disse Eric Hobsbawm, aqui diríamos que o sujeito é o que resta quando tudo o mais fracassa. Já a nação (tão cantada por W. B. Yeats na primeira fase) se transmuda numa extensão de si mesmo, até o ponto em que essa extensão faz com que o sujeito entre em crise, entre o eu-ensimesmado e o eu-com-os-outros. E então a poesia confessional, o místico e a religiosidade ganham terreno. Traços que, no Brasil, encontramos na poesia de Adalgisa Nery, Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes, Manoel Bandeira, Cecília Meirelles. Não à toa, poetas modernos.

Nesta seara concluo que o pessimismo, embora recurso narrativo valioso, não se materializa apenas na seara do “encanto” estético, mas do desencanto do sujeito com as suscetibilidades do mundo lá fora.

As decepções políticas e econômicas com a Irlanda foram fundamentais para o desenvolvimento de um William Butler Yeats pessimista, místico, ambíguo.

No Brasil de 1922, profundas transformações econômicas, sociais e culturais foram urgentes para um manifesto modernista engendrar uma geração de poetas que, embora exaltassem um porvir pseudoromântico, futurista e eurocentrado, desenvolveram um senso agudo de insegurança e de certo pessimismo com a inadequação da expectativa de um Brasil futurista e da realidade indigesta da desigualdade.

Crescia a crença de uma nação do futuro (que nunca chega) contra a nação de um passado redivivo sempre presente. Nisso o pessimismo, o existencialismo e a poesia religiosa ganham seu terreno fértil. Como teria ganhado, em W. B. Yeats, os sonhos atapetados pela desilusão sutil de uma Irlanda nunca vista.

Sobre o autor

João Matias é escritor, sociólogo e professor. Docente na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Publicou O Lugar dos Dissidentes (2019) pela Editora Escaleras, dentre outros. É um dos editores da Revista Blecaute de Literatura e organizador do Encontro de Literatura Contemporânea, em Campina Grande - PB.