12 de novembro de 2021

Não é um rio: silêncios e masculinidade na Argentina de Selva Almada

Em Não é um rio (Todavia, 2021), a argentina Selva Almada faz do silêncio, do não dito, um elemento primordial para narrar a amizade entre três homens: Enero, o Negro e Eusébio.

Amigos desde infância, costumavam ir até a ilha para pescar. O início do romance revela que uma tragédia se abateu sobre Eusébio, e os dois amigos sobreviventes resolvem levar Tilo, filho único do morto, para pescar na mesma ilha, no mesmo rio.

Seguindo o fluxo do rio, vamos descobrindo segredos, medos, desgostos e tragédias. Aprendemos sobre relação entre os amigos, o sentimento que nutrem pelo garoto, os conflitos com as pessoas da ilha, os desejos e desvios das vidas que habitam aquele pequeno lugar.

Tudo narrado num ritmo lento com que se move o rio e os dias. A narrativa emula três movimentos possíveis na relação homem-rio: atravessar, deixar-se levar ou sucumbir.

Almada demonstra destreza espantosa ao criar poesia com tão poucas palavras e tantos silêncios. Com isso, conquista a atenção do leitor, que permanece imerso na trama e atraídos pelo magnetismo de suas personagens.

A aridez de sua prosa é posta em harmonia com a da paisagem, do compasso lento do lugarejo, da margem do rio, dos olhares despretensiosos. E a cada história, a cada característica, tudo passa despretensiosamente entre uma e outra cerveja na única venda do lugarejo.

A violência se apresenta na pesca, nas reações brutais e nas demonstrações de domínio e masculinaidade.

O silêncio abafa as emoções e desperta medos. Cala a dor da ausência de Eusébio, dos amores nunca vividos, dos dias, meses, anos desperdiçados. A brutalidade lhes é imposta e naturalizada.

Tem um sentimento que permeia todo o livro. Não sei dizer se melancolia. Sei que transborda, de dento para fora, das pessoas à paisagem bucólica, entre as montanhas e o rio que lhe atravessa, unindo e dividindo o natural e o sobrenatural, a lucidez e a loucura.

Ao fim, resta a constatação incômoda de que nem tudo faz ou precisa fazer algum sentido.