21 de outubro de 2021

Eu falo como um rio, do poeta Jordan Smith

Primeiro livro infantil do premiado poeta canadense Jordan Smith e sua estreia no Brasil,
a história trata com delicadeza de temas difíceis, como ansiedade e não pertencimento

 

O menino que conta essa história sente como se tivesse pedras na boca, e não conseguisse falar ou ser compreendido por conta disso. Mas, com o tempo, ele descobre que pode ser como um rio: livre, brilhante e em constante movimento. Será que essa história também poderia ser a sua?

No premiado Eu falo como um rio, uma delicada prosa poética inspirada em uma história real, os autores canadenses Jordan Scott e Sydney Smith narram um sentimento, o de sentir-se desencaixado, inadequado e incapaz. Com otimismo e vigor poético, narram também o que acontece quando transformamos esse sentimento em algo que pode nos mover adiante, ressignificando nossa autopercepção.

Sucesso de crítica, o livro recebeu os prêmios Family Book Award e Boston Globe-Horn Book Award, e, em 2020, foi incluído na lista de livros infantis mais vendidos do ano de diversos jornais e revistas, como New York Times, People Magazine, NPR, entre vários outros.

Reconhecido por seus livros de poema que lhe renderam premiações importantes, como Night & Ox (2016) e Decomp (2013) o poeta canadense estreia na literatura infantil com este livro ilustrado que transforma em arte a sua própria experiência de infância. Diagnosticado com disfemia - popularmente conhecida como gagueira - Jordan cresceu tendo que lidar com o medo da rejeição que costuma vir junto com qualquer desvio da normatividade.

Para lidar com as diferenças

A arte pode ser uma ferramenta poderosa para elaborar e ressignificar dores. Na história, um menino é confrontado com situações em que sua voz não sai, como quando não consegue falar diante de uma sala de aula cheia de gente. Amparado pelo pai, que lhe mostra um outro lado de sua própria condição, ele é levado a rever aquilo que seria uma falha aos olhos da sociedade, encontrando potência em sua diferença.

A narrativa resgata a vivência do próprio escritor, que, quando era criança, ouviu do pai um conselho que mudou sua vida. “Está vendo essa água que se move? É assim que você fala”. Assim, ele percebeu que até mesmo os rios gaguejam, e que nada pode ser perfeito ou estável o tempo todo. É na relação com o pai que o menino se fortalece, revelando a importância dos vínculos afetivos para a construção de uma identidade saudável, principalmente nos primeiros anos de vida.

Para o autor, essa experiência foi tão forte que até hoje se declara um apaixonado pelas águas; em seu perfil no Instagram, ele compartilha com os leitores os lugares onde nada, e tem uma página exclusivamente dedicada a mostrar os mares e rios gélidos por onde passa, a Submersive Joy (“Alegria submersa”).

As ilustrações do artista visual Sydney Smith dão leveza à narrativa, e, ao leitor, um arrebatador senso de beleza poética, imprimindo nas imagens a fluência que falta na fala do menino, ao mesmo tempo em que retrata o sentimento de ansiedade do personagem a partir dos desenhos borrados e difusos.

Usando materiais diversos e que muitas vezes se contrapoem entre si por suas diferentes texturas e efeitos, Sydney cria um espaço de naturalidade e liberdade para as tintas e cores, oferecendo ao leitor uma poderosa metáfora sobre o que pode acontecer quando deixamos o controle de lado e deixamos as coisas fluírem. Eu falo como um rio é o segundo livro de Smith pelo grupo Companhia das Letras, que publicou De flor em flor, com ilustrações de sua autoria, em 2017.

Assim como um rio, este é um livro que se movimenta com força e aponta para múltiplas camadas de profundidade. Uma história que enche os olhos do leitor de chuva, e o convida a fluir como água na correnteza da existência, em seus altos e baixos que levam e trazem dores e dificuldades, mas também alegrias e muita beleza.