8 de setembro de 2021

Uma pele para se habitar: sob a Pele de Homem há muitos segredos

Graphic Novel lançada pela editora Nemo traz uma narrativa épica sob o protagonismo feminino no Renascimento.   

Desde a publicação da HQ Degenerado, a editora vem proporcionando ao público quadrinhos ambientados em períodos históricos com abordagens críticas que envolvem questões afeitas ao LGBTQIA+ e ao feminismo. As HQs apresentam situações que confrontam com uma sociedade dominada por preceitos religiosos, políticos e econômicos. A ditadura do status quo tem sido uma constante nas reflexões sobre imposições no modo de ser e viver das pessoas ao longo das gerações.

Desde que mundo é mundo, habitado por homens, sabemos que a sociedade dita normas e regras de convívio sob a vigilância da Igreja e da sociedade burguesa. A HQ Pele de Homem traz exatamente um retrato da sociedade renascentista, em que casamentos eram negócios. Um arranjo entre famílias que oferecem as moças solteiras por um bom dote.

O medo de casar com uma pessoa totalmente desconhecida por quem não nutre quaisquer sentimentos é o terror de muitas jovens românticas dessa época. Como os noivos só se conheciam melhor após o casamento, não existia o namoro como parte do processo nupcial, como quebrar essa tradição?

Prometida em casamento a um jovem, Bianca se remói de insegurança ao relatar a sua madrinha e também confidente o medo de casar com um homem que não agrade aos anseios do seu coração, o jovem Giovani. A ideia de desistir de um compromisso porque não gostou do noivo é considerada uma ofensa à época e colocaria a reputação da família como mal vista pela sociedade da época, em que a moça não segue as regras nem é obediente aos pais.

Para minimizar o sofrimento da jovem Bianca, sua madrinha revela-lhe um segredo de família. As mulheres guardam uma pele de homem, batizado de Lorenzo, que tem todas as características físicas masculinas para que possam se aventurar em meio ao círculo dos homens e descobrir o verdadeiro caráter de seu futuro esposo. Um disfarce capaz de enganar até mesmo o mais bronco dos machos da sociedade medieval.

Bianca embarca nessa aventura e acaba descobrindo muito mais do que supunha sobre o seu noivo. Além dos modos rudes e linguajares vulgar do meio masculino ela se depara com um lado obsceno de seu noivo.

Seu envolvimento é tanto ao ponto da amizade entre Giovani e Lorenzo extrapolar aos meros encontros de boteco e descobre nele uma paixão que ele carregará consigo em segredo mesmo casando-se com Bianca. E Bianca no paradoxo de não revelar a verdadeira identidade por trás de Lorenzo segue à risca em nutrir essa paixão que também sente por Giovani, mesmo que ele não saiba que é sua futura esposa por quem se apaixonou.

A descoberta do lado homoafetivo de seu noivo só não a decepcionou pelo fato de ser ela o homem por quem ele se apaixona. O casamento é consumado, Lorenzo desaparece e Bianca nota que seu esposo é indiferente a ela como esposa. Para salvar o sentimento que ela tem por ele, novamente incita-o com a volta de Lorenzo ao povoado.

Além do seu casamento viver sob auspicioso segredo que só ela conhece, Bianca enfrenta a ditadura moral de seu irmão, um padre cujas pregações ela discorda em tudo que ele defende como moral para o bem da sociedade.

O período entre Idade Média e Renascimento é conhecido por incríveis batalhas, lutas e fugas, que em Pele de Homem, essa parte da narrativa traz muita ação e movimento com uma dinâmica que quebra um pouco o ritmo do romantismo da obra. O tempo todo a narrativa tem como premissa abordar atitudes revolucionárias sejam elas individuais, coletivas ou de pensamento.

Bianca se mostra uma jovem revolucionária nessa HQ! Nos faz lembrar de Joana D’Arc e sua luta contra a religiosidade e o patriarcado de sua época. De forma bem humorada ela mostrou que mudanças sempre proporcionam um olhar diferente sobre as coisas em que se deve abrir as mentes e aceitar as diferenças, pode se tornar tão necessário para a boa convivência em sociedade.

Pele de Homem é um quadrinho francês, roteirizado por Hubert (autor faleceu poucas semanas após o lançamento dessa HQ, em fevereiro de 2020), podemos considerar esta HQ seu último trabalho em vida; e ilustrado por Zanzim que já foi parceiro de Hubert em outros trabalhos de quadrinhos. A HQ chegou ao Brasil pela editora Nemo, publicada em capa cartão, formato brochura e todo colorido.