Noir argentino de Enzo Maqueira chega pela PontoEdita
"Faça-se você mesmo" usa referências a Fellini e ao Queen para demolir narrativamente
a obrigação de ser feliz e construir novas masculinidades
Com um narrador denso e realista e uma prosa árida na tradição de Raduan Nassar e Cormac McCarthy, "Faça-se você mesmo", de Enzo Maqueira, é uma jornada em busca da literatura que há no real, uma crônica da felicidade perdida. O livro, um noir rural com elementos de ensaio filosófico, foi finalista do Prêmio Silverio Cañada da Semana Negra de Gijón, na Espanha (2019). A edição da PONTOEDITA, com intervenção do escritor e cineasta J. P. Cuenca e capa com fotografia do premiado diretor de arte e publicitário carioca Bernardo Cople, marca a estreia de Maqueira no Brasil. Considerado pela crítica argentina uma das vozes mais proeminentes da literatura latino-americana (La Nación, Clarín), Maqueira transcende o círculo literário portenho e aborda temas fundamentais como a religião, as drogas e a heteronorma, de modo a evidenciar que toda forma de arte é uma enunciação eminentemente política.
Solilóquio de um personagem atormentado pela possibilidade de estar doente e pela necessidade não apenas de ser outra pessoa, mas sobretudo de imaginar como deverá ser (para ele, a felicidade está em transformar-se em artista), "Faça-se você mesmo" acompanha alguns dias na vida de um homem sem nome e sem convicções que foge de Buenos Aires para a casa dos avós onde passava os verões de sua infância. A casa - um território sagrado no meio da Patagônia desértica - fica em San Benito, um vilarejo fictício, quase mítico, que não é apenas uma encarnação narrativa de Comodoro Rivadavia (cidade em que o autor de fato costumava, assim como seu protagonista, passar a infância na casa dos avós), mas também uma homenagem a Coronel Vallejos de Manuel Puig e Macondo de Gabriel García Márquez.
Nesse lugar cheio de fantasmas do passado, entre as memórias agradáveis de verões ao lado dos avós, agora mortos, e de amigos, agora ausentes, o protagonista ganha consciência de sua covardia a partir de uma sequência de frustrações. A expectativa de futuro o impede de fazer qualquer coisa no presente, de concluir qualquer tarefa, e se traduz em procrastinação e insatisfação contínuas.
A partir de referências aos grandes mestres da Nouvelle Vague e à banda de rock inglesa Queen, o livro extrapola os limites do gênero e ganha contornos cinematográficos à medida que o protagonista se torna, ele mesmo, personagem da própria ficção. Mas a beleza da prosa de Maqueira está na desconfiança dos limites da palavra (na epígrafe que abre o livro, tirada do filme "Adeus à linguagem", de Jean-Luc Godard, lemos: "As palavras - não quero voltar a saber delas") e isso pode causar nos leitores certo nervosismo ou ansiedade por símbolos e interpretações. Pois se a narrativa começa com um tom quase idílico de busca da felicidade perdida na infância, ela vai aos poucos se transformando em outra coisa, ficando mais sombria.
Essas fronteiras fluidas ganham forma na figura de um vizinho parecido com Freddie Mercury, ídolo de sua infância. A imagem do líder do Queen, que representa uma nova masculinidade, entra em conflito com a imagem do avô, símbolo de um patriarcado falido, e obriga o protagonista a enfrentar seus próprios demônios.
Mas, conforme pergunta J. P. Cuenca em sua intervenção, como seria o solilóquio de um personagem-macho em tempos de queda do capital simbólico do homem branco, intelectual, heteronormativo no mercado das ideias e da cultura? São perguntas como essa que, entre canções do Queen e referências a Truffaut, Godard e Varda, Maqueira elabora narrativamente.
Sobre o projeto gráfico
O projeto gráfico original da PONTOEDITA explora a fronteira entre realidade e ficção presente na narrativa e materializada na fotografia de Bernardo Cople na capa, impressa em papel texturizado feito com fibras de algodão. Como memória ancestral da paisagem narrativa (com a qual mantém uma relação anacrônica - a fotografia é de 2015 e o livro foi lançado na Argentina em 2018), a imagem é um convite a múltiplas interpretações.
O miolo, na medida em que apresenta em frames de um rolo de filme contínuo os rascunhos de roteiros que o personagem jamais executará, resgata graficamente a consciência cinematográfica que Maqueira imprime na narrativa.
O uso da imagem em preto em branco e do amarelo é uma homenagem às capas clássicas da revista francesa Cahiers du Cinema e à Série Noire, famosa coleção de romances policiais da editora Gallimard criada por Marcel Duhamel em 1945 e da qual a edição da PONTOEDITA faz uma releitura, também, do formato.
Sobre o autor
Enzo Maqueira (Buenos Aires, 1977) é um escritor e jornalista argentino. Formou-se em Comunicação Social no Centro de Altos Estudios en Ciencias Exactas e é colaborador do "Clarín" e das revistas "Anfibia", "Vice" e "Viva", além de apresentador do programa "Narraciones Extraordinarias" na Radio Provincia de Buenos Aires. Considerado uma das vozes mais proeminentes da literatura contemporânea latino-americana, é autor dos livros "Historias de putas" (2008), "Ruda macho" (2010), "El impostor" (2011), "Electrónica" (2014) e "Rarities" (2021). Publicado originalmente em 2018, "Faça-se você mesmo" foi finalista do Prêmio Silverio Cañada da Semana Negra de Gijón, na Espanha, e é a estreia do autor no Brasil.
O livro entra em pré-venda dia 09 de setembro de 2021.