31 de agosto de 2021

Astrologia útil

Costumavam rir de mim, os adultos, cheios de dentes, quando eu demonstrava algum interesse pelos signos do zodíaco. Da minha parte, era mais curiosidade que interesse: era adolescência, época em que caem os dentes de leite da pureza e nascem os afiados e perenes dentes do pudor. Por isso e por muito mais, esses risos me enchiam de vergonha e dúvida.

Intrigava-me o fato de eu ser escorpiano, filho de um signo misterioso, profundo e enérgico, erótico e rancoroso, amigável e intenso, vingativo. Que a minha mãe não se ofenda com essa segunda filiação, mas não nego que tenho traços mais escorpianos que maternos – até porque a minha mãe é de câncer, vejam bem! Desde que me entendo por gente, algumas teorias psicoastrológicas se me foram acumulando pelos caminhos da amizade e da leitura. E um catolicismo castrador me proibiu de pensar em tudo isso. Naquela época, eu sentia que o pecado era a minha pele interior, uma instituição em minha atividade mental – e não fora dela, como vim a descobrir tempos depois. 

Se esse escorpião de fato habitava em mim ou se era eu a construir uma identidade frente à minha adolescência frustrada, não importa. O que importa é que hoje vejo essa explosão de vozes sobre os signos do zodíaco, essa quantidade espantosa de memes, canais do Youtube e páginas de redes sociais sobre astrologia, seja pelo viés espiritual, seja por uma vertente humorística; vejo uma profusão de tratamentos holísticos, alguns muitos sérios e outros, nem tanto. E tenho muitos amigos e amigas, de diversos níveis culturais e intelectuais, que pautam as próprias decisões no horóscopo do dia ou no perfil do signo solar, do lunar e por aí vai. Tenho conhecidos e conhecidas que só aceitam namorar com pessoas de peixes, sagitário ou libras. Áries, nunca. Nunca? Pobres arianos e arianas, lamento dizer que vocês estão fadados à solidão. Ou, o que é pior, vocês podem manter relações afetivas e sexuais entre si, de modo que o mundo ariano seja uma grande bolha ariana, cheia de fogo, sorriso e ímpeto homicida. E os taurinos e taurinas? A narrativa astrológica afirma que são pessoas alegres e enfáticas, mas comem com a mesma alegria e ênfase, o que dificulta um pouco mais a relação com esses seres marcados pelas estrelas da determinação e da teimosia.

Tudo isso me parece bem, na verdade. Reconheço que em mim há um espaço cansado das certezas, das verdades absolutas, do indiscutível. Todo esse meu percurso científico fez com que a verdade se tornasse um exercício custoso e impossível. Não suporto esse abismo. De dois anos pra cá venho me abrindo a outras possibilidades de conhecimento, a outras epistemologias e formas de narrar o Eu. Prefiro estar aberto às verdades relativas, não absolutas e que, não sendo absolutas, fazem de mim um homem mais humano, mais propenso a repensar o que até então era certo e determinado (mas nunca determinante). 

A verdade é que este escorpiano anda muito afeto às verdades parciais. É na parcialidade que, sem culpa, construo as mudanças de rota e de expectativas. Gosto da astrologia por não precisar da sua verdade, por prescindir dela como certeza, por tê-la apenas como bengala, uma conveniência. E quem não tem uma bengala nesta vida que a cada dia nos quebra uma perna? 

Hoje, quando falo sobre signos e astrologia, não riem de mim. Será por ser eu um adulto e a matéria da astrologia já não sair da boca de um adolescente sem personalidade? Há no senso comum algum tipo de revolução experiencial que autoriza o discurso pseudocientífico (sem sentido pejorativo) e isso me deixa mais tranquilo, pois sei que as verdades já não são muros, mas sim espaços de parcialidade, muretas propensas ao salto e à transgressão. Isso é bom de ver e sentir. 

Entretanto, sob o mesmo mistério da água que se transformou em vinho, a minha tranquilidade vira ódio e preguiça (duas substâncias etílicas perigosas) quando vejo pessoas que transferem para alguma condição astrológica a violência, a ignorância, a intransigência, o desamor e a falta de respeito. A estes e estas, recordo que existem entre nós suficientes informações e meios para assumirmos a responsabilidade do que somos ou deveríamos ser. Não há astrologia que cubra a falta de caráter ou de sensatez, o egoísmo e a cegueira. Não faz sentido ver no signo a pré-determinação da loucura – isso, sim, é risível.

Paulo Geovane e Silva nasceu em 1985, na cidade de Manhuaçu (Minas Gerais). É escritor, editor, crítico literário e professor. Licenciou-se em Letras pela PUC Minas (2010), onde também lecionou. É mestre (2012) e doutorando em literaturas africanas de língua portuguesa pela Universidade de Coimbra. Em 2018 estreou na poesia com caída (2018, Editora Letramento) e escreve esporadicamente para o Le Monde Diplomatique Brasil. Radicou-se em Madrid e, atualmente, edita a Revista Ponte.