5 de agosto de 2021

Dez dias num hospício

Editora Fósforo lança texto clássico do jornalismo investigativo
norte-americano ganha nova edição com prefácio de Patrícia Campos Mello

Em 1887, Nellie Bly tinha 23 anos quando recebeu do editor do jornal World a missão de se infiltrar como paciente no famigerado “asilo de lunáticos de Blackwell's Island”, em Nova York.

Nellie Bly era o pseudônimo de Elizabeth Cochran Seaman, nasceu em 1864 em Cochran's Mills e morreu em 1922 em Nova York. Escritora, inventora, empresária e filantropa, foi correspondente no México em 1888 e pioneira do jornalismo investigativo, tendo se tornado uma celebridade em vida. Entre suas obras mais conhecidas estão Dez dias num hospício (1887) e Volta ao mundo em 72 dias (1890). 

Munida apenas de sua audácia, a jovem repórter soube usar sua sagacidade para convencer médicos, policiais e juízes de sua insanidade simulada. A ironia desse fato não escapou à jornalista, que denunciou o despreparo dos profissionais que selaram seu destino e de tantas outras mulheres. Uma vez internada, a situação se agrava: “desde o momento em que entrei no hospício da ilha, não fiz nenhum esforço para me manter no suposto papel de louca. Falei e agi exatamente como faço no meu dia a dia. Por incrível que pareça, quanto mais eu agia e falava com lucidez, mais louca me consideravam”. 

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As páginas que se seguem à internação de Bly são repletas de relatos que nem mesmo seu estilo espirituoso é capaz de atenuar. Enfermeiras sádicas, instalações precárias, médicos despreparados e pacientes indevidamente internadas são alguns dos horrores que a levam a concluir: “à exceção da tortura, que tratamento levaria uma pessoa à loucura com mais rapidez?”.

Depois de resgatada, Bly escreveu a série de reportagens reunidas neste livro, clássico do jornalismo investigativo norte-americano e documento incontornável da luta antimanicomial. Mais de 130 anos depois de sua publicação, Dez dias num hospício continua assustadoramente atual. 

“Imagine uma pessoa que deu a volta ao mundo em tempo recorde, foi correspondente de guerra, presidiu uma indústria siderúrgica e registrou 25 patentes de vários produtos. Tudo isso em apenas 57 anos de vida. Agora, imagine que essa pessoa era uma mulher que vivia nos Estados Unidos no final do século 19, uma época em que as mulheres não tinham o direito de votar, e, dependendo do estado, não podiam se divorciar nem usar calça comprida.” – Patrícia Campos Mello