6 de julho de 2021

Nas ondas da história, um mergulho íntimo e universal

Lançamento da HQ Em Ondas, de AJ Dungo pela editora Nemo
traz duas histórias que se confluem na mesma temática

Duas histórias em uma, a HQ narra a história de uma jovem surfista que luta contra o câncer, mas não abandona o amor pelo surfe, sua razão e vontade de viver cada dia intensamente. Paralela à história de Kristen contada pelo próprio quadrinista, AJ Dungo apresenta ao leitor a história da origem do surfe e seu principal fundador da prática do esporte. Conhecido como o pai do surfe moderno, Duke Kahanamoku, além dele narra a trajetória do desenvolvedor das modernas pranchas que conhecemos hoje em dia, Tom Blake.

A prática desse esporte começou no Hawaí, em 1800, utilizavam pranchas de madeira e grandes. Duke se tornou o nadador mais exímio de sua época e protagonizou uma série de malabarismos com as pranchas de surfe atraindo muitos turistas que queriam vê-lo nadar e surfar, ele chagava a nadar com grandes tubarões.

A HQ é dividida em duas histórias intercaladas, para não confundir o leitor, a narrativa que conta sobre a luta de Kristen contra o câncer, a jovem apaixonada por surfe é toda em páginas verde-azul. Por outro lado, a parte que narra a história do surfe estão na cor sépia.

AJ Dungo traz nessa HQ a história real e biográfica da sua namorada e do fundador do esporte e do encontro com o pai da prancha moderna. A graphic cumpre uma promessa e é esta a sua razão de ter sido publicada, uma missão cumprida para que a memória e existência de Kristen jamais sejam esquecidas ou apagadas pelo tempo. Para que ela permaneça viva na arte do seu companheiro de luta, de amor e de aventuras ao mar.

O interessante dessa HQ que tem o mar, as ondas como a ambiência principal da obra nas duas histórias, onde luto e luta são frequentemente abordados de maneira emocionante, melancólica, mas sem perder a sensibilidade de ver a beleza por detrás do espírito aventureiro que o surfe carrega pela sua natureza esportiva. Em uma reflexão do autor após a morte de Kristen, ele analisa a relação das ondas com o luto:

“Tanto o luto quanto as ondas são imprevisíveis. [...]” (pág. 342)

Na página 336 tem três requadros em sequência na mesma página que mostram diferentes situações e ambientes, o último momento dela no leito hospitalar, a última vez que a viu no leito do caixão e o caixão fechado. São três cenas que ele contempla como se fossem o mesmo lugar, mas todas elas revelam o mesmo sentimento, o ínicio do luto, a morte é ruptura, e como as ondas “o luto não segue um padrão”, “ele vem e vai” a morte vem  como as ondas. (páginas 340 e 341)

Antes de vir a falecer, Kristen não se abatia nem nos momentos mais difíceis da sua doença, tinha certeza do que enfrentava e que a morte seria algo inevitável, então ela quis intensamente viver cada momento de sua vida fazendo aquilo que era mais apaixonada, surfar na companhia de quem  amava, seu irmão Jeff, seus primos e seu companheiro Dungo. Curtiu seus últimos dias como se a cada nova onda a surfar fosse única com todos os seus desafios.

Quando vou à praia olho pelo horizonte do mar, aqueles jovens na prancha se arriscando em ondas cada vez mais altas, imagino quanta coragem deles, e o prazer que sentem em estar ali. Penso, o que motiva a encarar uma onda maior? O medo? O desafio de si? O espírito aventureiro? Ou a vontade intensa de sentir prazer? A mensagem

Tanto a história de Kristen quanto a parte que narra a trajetória do esporte, são emocionantes. A história do surfe nessa HQ além de ser bastante informativa, ela desperta no leitor o espírito de viver intensamente uma aventura e após ler essa graphic eu tenho certeza que toda ida à praia vai ser diferente, ver surfistas vai te fazer relembra desse quadrinho.

A editora Nemo publica em formato capa cartão, como todo o seu catálogo, valorizando cada vez mais as histórias que publica. Um detalhe atrativo da arte do livro, a capa tem o título e um detalhe de um surfista em alto mar impresso em hotstamping prateado. Isso faz com o que leitor movimente o livro nas mãos sob a luz e sinta o movimento das ondas e do personagem. A HQ é toda monocromática dividida em dois tons separando as diferentes narrativas. Talvez por ser o primeiro trabalho de AJ Dungo que também é surfista, publicado no Brasil, revela um traço simples para que o leitor fique mais focado na narrativa. Balonamentos, enquadramentos e roteiro impecáveis.