22 de maio de 2021

Pinard resgata dois romances latino-americanos publicados nos anos de chumbo

“Eu o supremo”, do paraguaio Augusto Roa Bastos, e “O aniversário de Juan Ángel”, do uruguaio Mario Benedetti,
estão à venda em campanha de financiamento coletivo

A nova campanha de financiamento coletivo da editora Pinard, realizada na plataforma catarse, traz à tona dois grandes títulos inexistentes no Brasil que foram produzidos durante os anos de chumbo e que se tornaram referência no continente: “Eu o supremo” (1974), do paraguaio Augusto Roa Bastos, esgotado desde a década de 1980, e “O aniversário de Juan Angel” (1971), de Mario Benedetti, inédito no Brasil.

Publicados na década de 1970, momento em que praticamente todos os países da América Latina haviam sido tomados por golpes militares, governos cruéis que torturaram, exilaram e provocaram traumas profundos, as obras falam sobre o autoritarismo, a violência urbana e as consequências nefastas dos jogos de poder. Ambas as obras fazem parte da coleção “Prosa Latino-americana”, que teve início com o romance venezuelano “Dona Bárbara”, de Rómulo Gallegos.

Mantendo o mesmo formato do primeiro título da coleção, essas edições possuem capa dura e fortuna crítica. Além disso, traz uma tradução atualizada das obras realizadas pelo André Aires, doutorando em literatura pela Universidade de Brasília, e ilustrações internas, todas feitas pela designer Luísa Zardo, já bastante reconhecida no mercado editorial.

Os livros são vendidos, juntos, a 120 reais. Há também pacotes com valores diferenciados que trazem brindes exclusivos criados pela editora que abordam a ditadura como tema. São eles: caderninho, ecobag, pôster, camiseta e bandeira. Vale ressaltar que campanha vai até o dia 22 de julho e que a compra dentro desse período garante o frete grátis e uma diferença de 25% no valor dos livros quanto estes foram disponibilizados no mercado. 

Para conhecer o projeto, acesse o link: https://www.catarse.me/issonaoeumademocracia 

Fizemos uma pequena entrevista com um dos editores da Pinard, Paulo Lannes.

Paulo, antes de qualquer coisa, conta de onde surgiu a ideia do nome Pinard e de criar uma editora.
Bom, há duas origens para esse nome. Uma delas, a principal, é que Pinard é uma junção do nome Pierre Menard, o personagem do conto do Jorge Luis Borges chamado "Pierre Menard, autor do Quixote". É um conto que tanto eu como o Igor gostamos muito, que versa justamente sobre essa nossa tentativa de criar, recriar e se apropriar de obras literárias. É fantástico. A segunda coisa é que pinard é também um estetoscópio antigo que se utilizava para ouvir os batimentos cardíacos. Daí entra o nosso papel de verificar o batimento daquela obra e tentar nos apropriarmos dela para disponibilizá-la ao leitor brasileiro. 

Por que escolher o modelo de crowdfunding para realizar os lançamentos da editora? Isso é algo que vai persistir a longo prazo?
Nós somos uma editora que começou sem qualquer apoio ou investimento. Tínhamos, no início, cerca de 900 reais cada um para dar o pontapé inicial, que era justamente elaborar o projeto gráfico para ser apresentado no Catarse. A ideia de usar o crowdfunding veio por perceber que era uma forma interessante não só de arrecadar dinheiro para o livro que planejávamos lançar como também para conhecer, desde já, o nosso público e as particularidades dele. Daí nos valemos da primeira experiência como um verdadeiro laboratório: não tínhamos editores amigos para nos aconselhar nem indicar e nem fazíamos ideia se o público iria comprar a ideia de um romance que, embora tivesse relevância, era muito pouco conhecido. Percebemos então a importância de contar histórias sobre a obra, o autor e seus contextos (históricos e literários), bem como a importância de que esse público participe do processo de produção da obra. Funcionou e temos usado esse aprendizado para lidar com as campanhas futuras e para tentar nos adiantar em particularidades que surgem ao longo do processo de captação.

Vocês estão agora com o projeto dos livros "Eu, supremo", do paraguaio Roa Bastos, e “O aniversário de JuanÁngel”, do uruguaio Mario Benedetti. Pode falar um pouco sobre o motivo de escolher esses dois livros e autores?
Desde o início, pensamos na editora como um lugar para receber essas obras de grande relevância no cenário mundial que acabaram esquecidas pelo mercado editorial brasileiro - seja porque estão esgotadas há décadas seja porque nunca foram publicadas. Daí, centralizamos nossas ideias em duas coleções em que pareciam ter grande relevância para nosso público e ter um nível injusto de falta de traduções no Brasil: a prosa latino-americana e a poesia do mundo. Claro que não vamos nos fechar nessas duas coleções, mas elas servem como nosso norte. Daí, alguns nomes foram surgindo naturalmente, devido a aproximações que tínhamos com público interessado nesse tema. O de Roa Bastos foi um deles. Era constantemente pedido. Sua falta de traduções no Brasil era algo muito contestado e muito inexplicado. Daí que a obra surgiu no nosso horizonte. Só que dessa vez pensamos em ir além da obra e criar uma campanha que já avance sobre um contexto. Na mesma hora me surgiu esse romance tão bonito e tão esquecido de Benedetti, que havia lido há alguns anos em espanhol. Uma obra serve como oposição e complementação da outra. Trazem dois olhares sobre dois personagens históricos muito marcantes na América Latina embrutecida pela ditadura: o do ditador e o do militante. Ambas caíram como uma luva para o nosso trabalho e acredito que o público tenha entendido a nossa proposta.

Ultimamente, particularmente, tenho percebido que muita gente não compreende o que anda a acontecer no mercado editorial brasileiro, principalmente quanto à questão do valor de capa dos livros. Como vocês veem esse ponto para os livros que irão produzir?
Isso sempre será uma questão no Brasil, ainda mais nos tempos que vivemos atualmente. Como orçar livros num contexto em que cada vez mais as pessoas estão recebendo e cada vez menos a cultura parece ter importância dentro de um contexto complicado nacional que estamos vivendo hoje? É complicado, mas a gente tentou buscar o equilíbrio. Trouxemos dois livros raros em edições de excelente qualidade que, juntos, têm o mesmo valor de diversos lançamentos menos urgentes de outras casas editoriais. Isso só foi possível planejando um número de vendas mínimo que fizesse sentido para o valor que orçamos para cada livro. Por isso que é uma campanha "tudo ou nada" e por isso que é uma campanha com meta tão alta. É uma esperança que temos em oferecer um produto de alta qualidade a um preço aceitável, em que o custo de tudo que vem aumentando aí no nosso meio (inclusive na impressão dos livros) não recaia diretamente no leitor por perceber a possibilidade em diluir os preços em alta quantidade de venda. Esperamos que dê certo. Estamos trabalhando para isso e sei que muitos dos leitores estão se esforçando para nos ajudar a transformar esse sonho em realidade.

Obra-prima do paraguai

Esgotado há mais de 30 anos no Brasil, “Eu o supremo” foi lançado em 1974 no Paraguai e se tornou um clássico instantâneo, sendo traduzido rapidamente para mais de 20 idiomas. Até hoje, é considerado o romance mais famoso e mais importante do país – sendo também uma das obras sobre ditaduras mais representativas da América Latina.

Nesse romance, Roa Bastos parte da biografia do ditador José Gaspar Francia para tentar narrar o perfil do dirigente autoritário latino-americano, trazendo as características de outros personagens históricos do país até apresentar uma figura que se tornaria cada vez mais comum em todo o continente ao longo do século XX, culminando nos anos de chumbo da década de 1970. Carregado de frases lapidares, o romance é também um ensaio histórico, sociológico e filosófico acerca do poder ditatorial.

Ao passo que a publicação do romance enfureceu o ditador Alfredo Stroessner, obrigando Roa Bastos (1917-2005) a se exilar na França, “Eu o supremo” fez com que o autor fosse reconhecido em todo o mundo, lhe rendendo dois grandes prêmios literários: Prix du Memorial de America Latina” (1988) e Prêmio Miguel de Cervantes (1989).

Romance mais experimental, político e poético do Uruguai

Inédito no Brasil, “O aniversário de Juan Angel” foi escrito em 1971, dois anos antes de iniciar a ditadura no Uruguai, Mario Benedetti parece já se dar conta da dor dos militantes que, no ensejo de livrar seus países das garras dos militares, padecem pela derrota e pela perseguição.

Todo escrito em frases entrecortadas, como que fossem versos, esse é o romance mais experimental do autor uruguaio. Nesse livro, o leitor só tem acesso aos pensamentos e às ações do protagonista durante os seus dias de aniversário. Membro da classe média uruguaia, acompanhamos desde seu crescimento, vendo suas primeiras compreensões dos conflitos familiares, acompanhando seus relacionamentos amorosos e verificando também a tomada de consciência dos problemas políticos do seu país.

A brevidade da obra, seu transparente simbolismo, a beleza da linguagem, a raiva e a indignação fazem com que esse livro se torne uma rara joia da literatura latino-americana. Mesmo sendo um dos escritores mais celebrados da América Latina, quando Mario Benedetti (1920-2009) foi perseguido pela ditadura de seu país e teve que morar no exterior por 12 anos.

O resgate de dois romances latino-americanos publicados nos anos de chumbo

A nova campanha de financiamento coletivo da editora Pinard, realizada na plataforma catarse, traz à tona dois grandes títulos inexistentes no Brasil que foram produzidos durante os anos de chumbo e que se tornaram referência no continente: “Eu o supremo” (1974), do paraguaio Augusto Roa Bastos, esgotado desde a década de 1980, e “O aniversário de Juan Angel” (1971), de Mario Benedetti, inédito no Brasil.

Ambas as obras fazem parte da coleção “Prosa Latino-americana”, que teve início com o romance venezuelano “Dona Bárbara”, de Rómulo Gallegos. Portanto, esses novos livros mantém o mesmo formato, com capa dura e fortuna crítica. 

Além disso, contamos com a equipe que vem trabalhando conosco desde o início: André Aires, doutorando em literatura pela Universidade de Brasília com experiência na Universidad de Los Andes (Colômbia), é responsável pelas duas traduções (uma delas já está pronta e outra está em andamento) e a designer Luísa Zardo, que possui grande reconhecimento no mercado editorial brasileiro, cuida das ilustrações (tanto da capa como dos três desenhos internos) e realiza todo o projeto gráfico de ambas as obras. 

Os livros estão juntos à venda na campanha, mas podem ser adquiridos separadamente. Há também pacotes com valores diferenciados que trazem brindes exclusivos criados pela editora que abordam a ditadura como tema. São eles: caderninho, ecobag, pôster, camiseta e bandeira. Vale ressaltar que campanha vai até o dia 2 de julho e que a compra dentro desse período garante o frete grátis e uma diferença de 25% no valor dos livros quanto estes foram disponibilizados no mercado. 

Para conhecer o projeto, acesse o link: https://www.catarse.me/issonaoeumademocracia