19 de outubro de 2020

Thirsa

quando eu tinha dezesseis anos, me mudei para florianópolis num domingo. apesar de não gostar do clima litorâneo, achava que surf era a porcaria mais legal que eu poderia aprender por lá. crendo e amando parafina, bodyboard, e séries quebradas de ondas crespas, na segunda-feira meu coroa me jogou na fila de entrevista do mcdonald's mais perto e cumpri 2 anos de pena dentro do inferno. entre hambúrgueres, coca-cola e combos com batatas ensopadas de óleo, me apaixonei por thirsa, ou melhor dizendo, thirsa bazuca, como todos os outros funcionários a chamavam. eu e ela tínhamos algumas coisas em comum; nunca fomos funcionários do mês e levamos advertência por fumar no vestiário. thirsa pesava quase cem quilos e seu uniforme foi laceado a base de remendos. sua bunda abarrotava lindamente a calça vermelha e eu sonhava em dormir em cima dela. todos riam de thirsa. todos a chamavam de 'bazuca', pois era difícil de aguentar, mas necessária. servia de entretenimento para as crianças da clientela rirem quando ela era designada para esvaziar as lixeiras. thirsa beliscava as sobras frescas, recém jogadas no lixo. eu sorria para ela sempre, porém nunca era correspondido. nos olhos de thirsa e na sua boca rochonchudamente calada eu via o quanto ela odiava o resto da humanidade e cria que um dia ela comeria todos dentro daquele restaurante. engoliria um por um, até explodir e então seu legado estaria completo. thirsa se suicidou um dia depois de eu começar a criar coragem, a maldita coragem, para dizer "meu amor, me engula primeiro. triture meus ossos. me coloque dentro de você". thirsa deu um tiro na cara, com o trinta e oito de seu tio policial. no meu último mês dentro daquele hospício alimentício, usei o crachá dela e ninguém riu. thirsa, seu nome foi honrado pelo menos uma vez. ganhei as contas.

Felipe Pauluk é um curitibano residente em Londrina, jogou na loteria da vida e numa quina, tirou o menor prêmio, a literatura. lançou seu primeiro livro, Meu Tempo de Carne e Osso em 2011). Hit The Road, Jack, romance em 2012. Em 2015, foi lançado Town, novo romance do autor. "Comida di butequim" e "Tórax de São sebastião" foram seu dois livros de poemas publicados em 2016. 2017 "Manual Prático de Perna Mecânica para Cantores", ele lançou pela BAR EDITORA. Felipe também é roterista.