31 de maio de 2018

São tempos difíceis para os que sonham

Acordei com uma dor de cabeça incomum. Era como se toda uma escola de samba estivesse fazendo ensaio dentro de mim. Resultado de uma apneia não tratada, pensei. Nos dias seguintes, tive taquicardia, arritmia, boca seca, suores em qualquer hora do dia e sensação de desfalecimento. Como não sou de me apavorar, achei que era o acúmulo de stress e deixei a vida ir seguindo, dizendo a mim mesmo que aquilo ia passar.

Mas não passou, pelo contrário, tive pioras significativas em alguns dos sintomas. Fiz então uma rápida análise do que poderia estar causando tudo aquilo e compreendi: eu vinha assistindo muito aos telejornais. Sempre gostei de me informar, mas naquele momento, com o país em convulsão e uma presidente prestes a ser sacada de seu mandato por homens e mulheres com legitimidade mas sem idoneidade alguma para fazê-lo, eu vinha assistindo a telejornais demais e lendo páginas de notícias demais. Estava ali a raiz do que vinha acontecendo dentro de mim.

E eu não estava errado. Foi só desligar a TV e me informar um pouco mais superficialmente que as crises de pânico deixaram de existir. Ao meu redor, porém, a situação não era bem a mesma. E uma certeza que já vinha caminhando comigo se intensificou nas últimas semanas, com a morte de Alberto Dines e Audálio Dantas, dois jornalistas de tempos antigos, homens de ética firme e profudamente ligados a causas humanitárias: o Brasil dos últimos anos têm adoecido as pessoas que se preocupam com quem tem menos do que elas. Antes do Alberto e do Audálio, que já não eram tão garotos – e alguém poderá dizer, com razão, que tiveram uma longa e profícua existência – morreram os meus. Por meus eu quero dizer os que conviviam comigo, ou eram de alguma forma próximos a mim. Perdi amigos, colegas, pessoas das quais já tinha ouvido falar, que estão nessa luta por um país menos desigual, numa avalanche que parece vir arrebatando os mais frágeis: são infartos, cânceres, AVCs – e isso para não falar de perturbações psiquiátricas de toda ordem, que exigem tratamento e remédios para mantê-los todos mais ou menos equilibrados.

Evidente que está tudo mal para todos, mas sofrem mais os mais sensíveis ou, por outra, os mais preocupados e/ou conscientes em relação ao que está acontecendo. Não é de se admirar que tanta gente tenha fugido para Portugal e Canadá – e é de se esperar que mais pessoas comecem a optar pelo Canadá em breve, porque nesse ritmo, logo mais não caberá mais nenhum brasileiro em Portugal.

Para os que ficam, uma certeza: vivemos tempos sombrios sem previsão de melhoras significativas. Está tudo muitíssimo esquisito, e quem nos governa não parece realmente preocupado no bem estar do povo, que deu as costas a esse governo tanto quanto o governo deu as costas ao povo. Nem as eleições nos fazem vislumbrar dias melhores: o candidato que tem mais chances de ganhar está preso, e o segundo colocado é de pensamentos tão radicais e extremos que não me parece figura menos execrável do que líderes de uma história mundial mais ou menos recente.

No meio disso tudo, vejo pessoas que estão constantemente nas lutas sendo derrotadas pela tristeza, sucumbindo a doenças e mazelas que talvez não tivessem se a realidade social fosse outra. Algumas chegaram mesmo a confessar: está difícil viver. Quanto a isso, não resta dúvida.

Resta saber é se vale mesmo a pena continuar lutando. Ou até quando. Ou se lutar é a única saída para quem sonha com novos dias de alegria.