23 de abril de 2018

Uma âncora onírica no mar

O romance “Modos Inacabados de Morrer” do escritor gaúcho André Timm trabalha com uma linguagem original e uma trama bem costurada e simples. Inteiramente narrado na segunda pessoa, aqui, nós somos o protagonista. Literalmente. Nós somos Santiago e apagamos lentamente através de um romance de formação íntimo, belo e doloroso. Nas suas 137 páginas, somos inseridos em um transe profundo, onde a forma conduz o conteúdo com precisão cirúrgica.

O livro é sobre Santiago, um jovem que sofre de narcolepsia. Acompanhamos a biografia do protagonista em dois períodos, sua adolescência e vida adulta. Neste ínterim, conhecemos a sua vida trágica e as pessoas que convivem com ele, como os amigos Lupi, Valerie e Agnes. É interessante ver o desenvolvimento bem estruturado da trama e a consequência da doença na vida pessoal de Santiago. Inclusive, Lupi, seu melhor amigo, poderia ser melhor aproveitado e explorado, mas essa observação não estraga a experiência da leitura como um todo. Afinal, a subjetividade de Santiago tem tanto poder na história que acaba “apagando” a construção dos outros personagens. E isto não é um defeito; poderia ser um facilmente, mas Timm utiliza esse domínio absoluto da subjetividade do protagonista com sabedoria. O estranhamento acertado da segunda pessoa faz com que nos tornemos leitores ativos, sentindo na pele cada momento da vida de Santi e se esquecendo do resto.

“... você começa a intuir que, à revelia de sua própria vontade, terá episódios incontroláveis de sono, independentemente da hora e do local. Sofrerá da perda total dos reflexos do corpo e de alucinações terríveis que não são sonhos, nem vigília, mas um meio caminho entre as duas coisas. Você começa a entender inconscientemente que, a partir de agora, você será essa pessoa.”

Após um ponto de giro, o livro segue sem grandes acontecimentos. Mas o aparente “tédio” que o autor produz serve para preparar o leitor para o segundo ponto de giro do romance, que fará qualquer um endurecer a espinha e suar frio.

Catártico e potente, “Modos Inacabados de Morrer” tem um registro elegante como um sono profundo, daqueles que nos fazem afundar em buracos infindáveis em câmera-lenta. Nas páginas finais, o autor coloca uma âncora em nossos pés. Afundamos, mas o mergulho onírico, apesar de assustador, nos permite ver esperança e luz. Terminamos o livro com um gosto de sal e purificação no céu da boca. Santi finalmente dorme em paz e nós também.