11 de fevereiro de 2017

Nobreza

Há um grupo de pessoas nos mares de coral entre as Filipinas, Bornéu e Sulawesi, na Ásia que vive completamente sobre as águas.

Vivem em barcos quase sem contato com a terra firme e, na verdade, somente aportam para consertar o barco e comprar arroz. Todo o seu sustento é retirado do oceano profundo a centenas de quilômetros de qualquer ilha ou continente.

Para esses homens o mais nobre entre eles é o que consegue submergir mais tempo que os demais para efetuar uma pesca submarina proveitosa.

Alguns chegam a meditar para conseguirem ficar mais de cinco minutos sem respirar mesmo sem auxílio de qualquer equipamento aquático como pés-de-pato ou visores.

São esses que garantem um estoque de vitaminas que esse povo sem frutas não teria oportunidade de obter de outra forma. São nobres porque são heróis. Porque arriscam a sua vida para que a sua família não adoeça e, por isso, estão entre os mais respeitados pela sua comunidade.

Os korowais são uma tribo de Papua Ocidental e são conhecidos pela sua habilidade em viver na floresta, ou melhor, no topo da floresta.

Eles ainda utilizam ferramentas de madeira e pedra e vivem nus e são exatamente como os homens da Idade da Pedra, exceto pelas cavernas, e mesmo assim há registro de korowais vivendo em árvores a 40 metros acima do solo.

Constroem suas casas na copa das árvores e são tão mais respeitáveis quanto mais alta a sua casa estiver estabelecida, uma vez que, tais medidas não derivam de mera liberalidade ou vaidade, mas de uma busca intensa para proteger a família dos predadores da floresta e da inundação repentina a que estão sujeitas aquelas terras, pois estima-se que possa chover ininterruptamente o equivalente a 150 litros de água para cada metro quadrado de área naquela região em apenas um dia o que seria uma tragédia em qualquer civilização que dependesse do solo para se sustentar.

Diametralmente, também uma caravana de beduínos do deserto formada exclusivamente por mulheres precisa caminhar cerca de 240 quilômetros simplesmente para chegar ao mercado mais próximo de suas casas. Uma viagem que percorrem duas vezes por ano.

Essa odisseia pelas dunas indecifráveis é a única chance de sobrevivência do seu povo. Sem os alimentos que são obtidos no mercado pelos quais as mulheres trocam pelos camelos que seu povo cria, todos os seus membros pereceriam.

Como se a responsabilidade já não fosse grande o bastante a água que elas carregam não tem a capacidade de durar até o fim da jornada, por isso elas têm que encontrar um poço de água que fica no meio do caminho sem o qual as pessoas e os animais da caravana morreriam antes de chegar ao destino.

Mas como localizar um poço de um metro quadrado em meio a milhares de quilômetros quadrados de areia de dunas móveis transportadas pelo vento a todo tempo sem nenhum auxílio de mapas modernos ou sistemas de localização por GPS?

Essa tribo Tubu escolhe as mulheres para fazerem esse trajeto porque acreditam que elas são mais hábeis navegadoras do deserto que os homens e, portanto, apostam a sua sobrevivência nessas mulheres que já treinam desde os dez anos de idade para substituir a sua líder nessa viagem que dura várias semanas a cada semestre.
Para essa sociedade, são mais nobres as mulheres que conhecem os mecanismos de localizar água do que os homens que criam os animais que serão vendidos. Sem elas, todo o seu modo de vida pereceria junto com as pessoas da comunidade.

De algum modo maligno as sociedades ocidentais nos fizeram acreditar que as pessoas mais nobres são aquelas que possuem mais bens, as que estudam em melhores escolas ou as que se vestem melhor.

Aqueles que não foram domados por uma cultura greco-romana acreditam piamente que a nobreza do homem consiste em sacrificar a sua vida por longos anos ou ainda expor-se a perigos iminentes por algum tempo para que assim possam prover a sua família.

Como é que acreditamos que os banqueiros e homens de negócio de Wall Street em seus ternos que custam milhares de dólares são mais nobres que os pescadores de tainha que ganham sessenta centavos por dia de trabalho ou os mineiros de enxofre que recebem cerca de cinco dólares por semana ou os guerreiros-pastores da África que lutam corpo-a-corpo com os leões para que seus filhos tenham um pouco de leite ao amanhecer (quando sequer convivem com dinheiro) ou ainda que o jovem cientista do Atacama chileno que descobriu com os cactos uma forma de conjurar água diretamente do ar do deserto mais seco das Américas com uma técnica simples, mas que não recebe nenhum investimento para que possa realizar o seu sonho de fornecer água para toda aquela região habitada mas, que ainda assim, já consegue abastecer umas poucas pessoas com suas plantações de subsistência.

Em que momento fomos convencidos de que os nossos pais somente são nobres se puderem trazer para casa dinheiro suficiente para comprar um jogo novo de videogame ou para pagar o tratamento de alisamento de cabelos ou para comprar entradas de primeira fila para o show do nosso artista pop preferido?

Quando é que esse tipo de gente passou a ser referência de nobreza?

Decerto cada ser traz em sua essência a capacidade de se tornar nobre à sua própria maneira, mas a humanidade presente nas cidades tem vivido como formigas cavando túneis éticos cada vez mais em direção ao submundo e, ao mesmo tempo, dando um enorme volume externo ao formigueiro.

Uma coisa é certa: tanto maior será aparência externa do formigueiro, quanto mais profunda for a cova que as formigas cavaram e mais cansadas elas estarão.

Eu queria merecer ser um pescador de tainha…