29 de setembro de 2016

Da importância sociológica

Muito tem se falado – em artigos ou debates – sobre o problema da análise sociológica na arte. Como ilustração precisa e impulso frequente para o início da discussão, tem-se, por exemplo, o funk, gênero musical amplamente recebido na última década, que pode ser colocado tanto como um mecanismo de inclusão das periferias, forma de se dar voz aos excluídos, como a destruição irreversível da qualidade da música popular existente até (muito se diz) o final da ditadura.

É fato que as duas visões podem ser adotadas, uma vez que suas respectivas premissas são distintas – para a primeira, o contexto de produção e ambiente de recepção têm total importância; para a segunda, apenas importa a estrutura da produção em si, deslocada do contexto e sem considerar a recepção, o espectador.

É imperativo ter em mente, contudo, que obras centrais no estudo da história da arte têm sua relevância justamente em função de uma análise sociológica, sua inserção no contexto, sua recepção à época e, principalmente, seu impacto na estrutura do establishment no momento de sua emissão. Pode-se citar, apenas como ilustração pontual, o Quadrado branco sobre fundo branco, de Malevich (o título é autoexplicativo; o quadro, esteticamente, não representa 10% do que representa sua inserção no contexto soviético, em que os artistas tinham como obrigação difundir, por meio de seu trabalho, as ideias do partido) ou a célebre Fonte de Duchamp (que desestabilizou vertiginosamente o contexto artístico, de ambas recepção e produção, mesmo sendo apenas um mictório, ainda que inserido no museu).

O objetivo aqui não é colocar a análise sociológica como indispensável ou mais valiosa; a ideia é apenas mostrar que, ao contrário do que muito se afirma, ela tem seu valor.

Em relação à música popular brasileira, é fundamental lembrar que a classificação entre o popular e o erudito é muito fluida; tem-se Chico Buarque como um exemplo importante, uma vez que sua música, até o final dos anos 80, tinha um caráter muito mais voltado ao povo do que atualmente; e isso nada tem a ver com Chico e suas composições, mas com todo o resto – sociedade, mídia etc.

Sem falar de compositores como Villa-Lobos ou autores como Mario de Andrade, que, eruditos, imergiram na arte popular em busca de referências, conteúdo central de sua produção. E, em relação a esses dois – e a tantos outros –, uma análise sociológica é muito mais completa e honesta seu trabalho.

Talvez o que falte seja justamente isso, uma análise honesta, neutra, que busque olhar para a obra de arte e sua importância em relação ao espectador e à sociedade sem, contudo, emitir juízos de valor, classificando, por exemplo, gêneros musicais entre bons e ruins, melhores ou piores. Porque, incrivelmente, a música da periferia sempre irá figurar – no funcionamento peculiar da mente desses teóricos – entre gêneros dispensáveis, enquanto a grande música, Brahms ou Bach, trilhas sonoras dos bem formados e estudados, sempre ocupará papel central.

Uma infeliz coincidência.