6 de julho de 2016

Velhas bicicletas

Não sei o que falar muito da infância, mas poderia resumir em catar manga, olhar o rio e cair de bicicleta. Fiquemos com esta última opção.

A bicicleta é um animal facilmente encontrado em becos de casas do interior e só é alimentada através dos pés. Tem esta dieta rigorosa, por isso está para uma modelo anoréxica, só osso e borracha. Dócil, parada. Mansa, quando se pedala por ruas ou caminhos de terra batida. Mas já experimentou aquele trecho de paralelepípedo com o pneu cheinho de ar? Ou quando se derrapa no cascalho? Cuidem de saber, bicicleta é bicho amestrado, quase sempre faz o que a gente quer, desde escolher a direção, a velocidade ou por a namoradinha no bagageiro. Mas não confie sempre. Sobretudo com outros ciclistas mais avoados, cientes de que o equilíbrio é deles, não dos outros.

Bicicleta antiga é fóssil. Do tempo da descoberta da roda. Ou melhor, duas rodas. Minha primeira vez foi com a dos outros. Provavelmente a do meu avô.  Era um modelo duro, antigo, de quadro alto. O que para um menino do meu tamanhinho, montar uma monark (parece nome de puro sangue) era uma façanha. Eu protegia as minhas regiões baixas, mas nem sempre conseguia. Que mistério era domar o equilíbrio quando tudo indicava que o chão era a coisa mais lógica a nos atrair! Bastava manter o bicho em movimento, ganhar confiança em olhar para a frente e zás, o mundo, as leis de Newton, os olhares de admiração eram nossos. Até a próxima queda. Joelho ralado e em muitas vezes, engolir nosso orgulho e levantar o bicho, que jazia ali, mas sem um arranhão.

Em Itabaiana, bicicleta era meio de transporte, e em muitos casos, de subsistência. O moço do pão trazia o balaio atrás. O leiteiro deixava a garrafa quentinha no alpendre. Nas feiras, era uma multidão de selins e guidões. Quando vim para a capital, ganhei uma bem especial, com um dínamo na roda traseira que alimentava um farolete na frente. Ia para as aulas de catecismo para ostentar o modelo que parecia ser único por ali. Cobiçai, catequistas!

Deixei para trás o tempo das quedas, comprei uma para passear sem nenhuma disciplina, nunca me senti um ciclista do tipo capacete, roupa colante e bicicletas mais finas que parecem disparos de flechas. São admiráveis esses moços e suas incríveis máquinas que voam baixo, quase não tocam o chão. Quando imagino o Tour de France, uma instituição francesa da velocidade e resistência, mais admiro o esporte... de longe.

Hoje não tenho bicicleta, não por motivos de acomodação, mas segurança mesmo. Mas guardo com carinho a lembrança de que certo equilíbrio na vida esteve nos meus pés, sob a consciência e o esforço deles. Peguei um bom caminho entre quedas e teimosia.