"O Regresso” de Rimbaud
Rimbaud é poeta que gera interesse não apenas por suas poesias avassaladoras mas também pela própria loucura poética de sua vida. Jovem gênio transgressor, rebelde da literatura, Rimbaud, a certa altura de sua vida, abandona o mundo da poesia para fazer de sua própria vida um poema, o poema do andarilho.
No entanto parece que é em seus últimos meses de vida, acometido de dores e sofrimentos terríveis em virtude de um câncer de osso na perna, que ele vive o ápice dessa poesia, numa literatura in extremis. É justamente nesse último momento que a escritora Lúcia Bettencourt, em seu mais novo livro “O Regresso”, faz um mergulho profundo para tentar compreender a dor do encontro com a morte, que todos podem viver, mas apenas um poeta sabe sentir.
“O Regresso” é obra que delineia uma espécie de autobiografia ficcional em que Rimbaud fala em primeira pessoa sobre o regresso do que parecia ser sua última viagem, pois “ […] a gente só compreende a viagem quando regressa. Pois é só no regresso que se surpreende a essência da viagem”. A narrativa memorialística de Bettencourt nos leva a (re)viver o passeio poético de Rimbaud quando de sua volta da África para França em busca de um melhor atendimento médico.
É por essa vivência que temos acesso a um suposto texto sufocado de Rimbaud: “Meu corpo era o texto que me recusei a escrever”. A cada página sentimos o sofrimento poético de Rimbaud quando cada dor vai tomando forma de poesia: “A dor física por instantes se iguala à dor da humilhação. Sou uma bola de carne me contorcendo no chão. Sou arquejos e gemidos. Sou um traste.”
A vivacidade com que Bettencourt nos faz sentir as dores do poeta é comovente. Em entrevista, Lúcia diz que sua escrita em primeira pessoa veio de uma admiradora inconformada: “Como a vida poderia ser tão indiferente ao talento?”, se questiona a autora. Ela questiona e nos faz questionar.
O livro nos leva de encontro ao poeta maldito e sua poesia como fôlego de resistência. Acompanhamos seu questionamento sobre a existência, o aplacar de suas dores, que o faziam se apegar desesperadamente à vida. O ponto alto da obra é quando da estadia do escritor no Hospital de Marselha; é nesse momento que sofremos, junto com ele, sua consciência tão forte de um corpo que é matéria e que pode simplesmente ser destruído: “Nunca somos tão conscientes de nosso ser material como quando estamos doentes. […] Dizem que só saberemos a verdade quando estivermos no nosso próprio leito de morte”.
Lúcia Bettencourt em sua obra nos permite ter acesso a uma ampla gama de informações biográficas de Rimbaud ao mesmo tempo em que temos a oportunidade de reviver a experiência poética do último suspiro do poeta. “O Regresso” é leitura única, profunda, angustiante, viva, que nos faz ir a fundo na vida de um gênio da literatura. A obra promove um encontro de diferentes tempos, do escritor e do leitor, para tratar de algo é atemporal e universal para todos nós.
Thais Fonseca Nunes
Mestra em Cultura e Sociedade
Pesquisadora na área da literatura e do cinema
@aartedaficcao