7 de janeiro de 2016

Crescer

A primeira vez que me disseram que a fruta é a forma que a natureza criou para proteger a semente – em seu sábio e silencioso entendimento, aquilo que tem de mais importante para que outras plantas e árvores surjam e se proliferem, dando continuidade ao ciclo da vida – eu tomei um susto. Para mim, era fascinante, quase mágico, como a natureza, em sua infinita sabedoria, poderia fazer existir algo que pode ser utilizado de tantas maneiras, apreciado pelos mais diversos paladares, ou virar material orgânico para alimentar o solo e gerar ou alimentar outras formas de vida.

É uma situação de quase incredulidade. Ainda assim, basta-nos observar: a semente fica lá, protegida, completamente envolta pelo todo a que chamamos de fruta, não facilmente violável. E ainda é possível pensar que, da maioria das frutas, não comemos a semente, o coroço, o que seja. Ele se vai de alguma outra maneira ou, quando ingerida por outros animais, pode sair nas fezes, ajudando a espalhar espécies de plantas por outros lugares e enriquecer o solo; se é ingerido da maneira correta, pode conter elementos que também nos farão bem: permitem o auxílio à logenvidade da nossa própria espécie.

Da mesma maneira, os livros.

Parados em prateleiras de casa, bibliotecas ou livrarias, são objetos de adorno apenas, se muito. No entanto, uma vez circulando, de meros objetos, passam a adquirir múltiplos sentidos, cada leitor sendo o responsável por significá-lo e expandi-lo.

Não é à toa que livros foram queimados em diferentes épocas na história da humanidade, da Inquisição ao nazismo, chegando aos dias de hoje, em que alguns livros ainda são banidos de escolas norte-americanas. Censores e ditadores sabem do que um livro é capaz.

Como grande entusiasta da leitura, compreendo que uma vida entre livros é uma vida transformada. Não há beleza que se equipare, exceto talvez a beleza estética, que é uma outra coisa, até certo ponto mensurável; enquanto a que vem da leitura é transcendente e incognoscível.

Não acredito, porém, num sentimento que costumo ler e ouvir de pessoas que acham que aqueles que leem são seres superiores aos que não leem. Por outro lado, não tenho dúvidas a respeito do horizonte amplo de quem lê. Mas há leitores capazes de cometer crimes cruéis e não-leitores que fazem o bem a outros de uma maneira invejável e profundamente humana. Essa é uma outra questão, que me parece estar para além do livro e da leitura.

Foi Nietzsche quem disse que “a arte é a grande possibilitadora da vida, a grande aliciadora da vida, o grande estimulante da vida”. Em outras palavras, enquanto a vida é uma sucessão de acontecimentos que modifica nosso pensar e sentir a todo instante, e por isso mesmo não pode se considerar que seja sempre algo aprazível, a arte nos mantêm vivos, porque, sendo ela o tempero da vida, é capaz de nos dar um sentimento de pertença ao mundo, tantas vezes perdido durante uma existência.

Justificar uma vida através da leitura não me parece um exagero. E isso porque estou aqui fazendo um recorte, já que as artes são muitas e pego aqui a que mais me interessa.

Nada pode ser mais importante do que aquilo que nos faz crescer. E repare na pluralidade de sentidos desse verbo. Afinal, veja bem:  um câncer não cresce, se alastra, se espalha, os verbos são outros, menos delicados.  Uma flor, cresce. Um pão que alimenta, uma vez no forno, cresce. O amor cultivado, cresce. A biblioteca de um bom leitor, cresce. Ser irmão, pai ou mãe, é crescimento para a vida inteira, porque implica em acalentar sonhos e ajudar a realizá-los, e vida humana alguma existe sem outro verbo: sonhar. E sonhos, sabemos, são cultivados para que cresçamos.

Tudo o que nos faz crescer nos humaniza.