26 de novembro de 2015

Discurso Vazio

Não vamos perder tempo com olá, como vai, tudo bem, essas coisas que se dizem mesmo sem saber o porquê. Dizem as más línguas que contigo não vão as mil maravilhas, mas sabe como é a matilha; fico pensando o que eu teria sido se algum dia a ela eu tivesse dado ouvidos: um pouco parecido com você, quem sabe. Também vieram os amigos, os de fé, do peito, de merecido respeito, que compartilham com a gente os desafetos. Palavras nobres de sobra; não fofocas, longe disso. Preocupadas essas línguas estavam com a tua recente estada no caminho desaforado da automutilação.

Não lembro a última vez que te vi. Poderia ter sido há anos, não tanto. Ontem, não foi. Portanto, as coisas poderiam estar diferentes, no entanto faço a aposta de que por aí nada mudou. Você nem muda a marca do creme de cabelo, como se esse mais-do-mesmo fosse fazê-lo rei no camafeu e no selo.

Contigo nada muda, veja essa mania de culpar o mundo de te impedir, de os astros conspirarem pra te deixar pra trás. É a mesma ladainha, cara, te faz um mal danado, nem idade você tem pra dar uma de menor abandonado. Tudo corre, o planeta gira, o tempo atropela, sem choro nem vela, não te espera. Não adianta cerrar os olhos e torcer pra acordar. O teu sonho, fera, já era, e sabe quem o derrubou? Essa pergunta é bem fácil de responder. Próxima!

Apesar de você tentar dar culpa ao prefeito, ao horóscopo, ao rivotril. É o senhor que, como posso dizer, ficou demodê. A tua autenticidade não faz sentido na tua idade. Você já disse: perdi a batalha, mas vou ganhar a guerra. Já faz tempo, quando é que você vai entender, que foi posta a trégua. Dessa guerra, os soldados já não levantam contra você a bandeira, nem esse fronte há mais. Outras guerras já nasceram, muitos mártires e heróis já foram criados. E quanto a você, “Quem é você?”, perguntarão eles com olhar blasê, pra outros lados, sem realmente se preocupar com a resposta. Eu já disse isso e repito, digo agora sóbrio: você é rei de um reino de um só servo; pros outros incógnita. Não se luta acomodado entre lençóis, tecendo estratagemas de mero papelão.

Essa tua mania de fingir ser desfavorecido, digo pra você ser justa. Todos somos: eu, você; é a vasta torcida contra nós. Nessa vida ingrata, tem nó que só Deus desata. É raro ver alguém pronto a dar a quem está caído a mão. Agora imagina dar a cara à tapa.

Imagina se a tartaruguinha mal nascida, daquela que dá na praia, ficasse na sua casca culpando o mundo, por ser seu homicida. Quantos quelônios, quantas destas estariam por aqui? Nem existiria tartaruguinha pra começo de história. Só resta praqueles bichinhos botar sebo na canela, força no pulmão e carreira, carreira, meu chapa. Pra onde?! A vida é ligeira, se torna longa pra os que se mexem e por caminhos que padecem de precisão. A morte é certa, o resto é sorte, o tempo engole, devora aqueles que acham que um dia vão remover montanha só com o olhar.

Vá lá, não queira acalanto pra o teu choro desonesto. Não apele, não diga não-presto. Sou a vergonha do meu pai, decepção do meu avô. Pelo que sim, pelo que não, ninguém presta. Somos cria e imagem do cão. Quem não nega vinte e cinco centavos ao bêbado necessitado? Ou não dá carona pra quem você sabe que vai mesmo praquele lado que você vai? Não prestar, pra mim, te digo sem medo de errar, não prestar é ser imprestável. É como se a tartaruga gritasse: Deus, por que não tenho asas? Deus, me dá o veneno que protege as cobras! Uai?! Se você fosse o que não é agora, com todas as condições necessárias pra que o teu grande projeto de vida se realizasse, ele seria realizado? Seria feliz você se a reforma agrária dos teus quereres fosse possível de acontecer?

Vejo cá do meu canto, minhas quatro paredes, que tudo é assim aos pedaços. Acordar de manhã nem sempre é fácil, dizer bom dia a um dia que já se sabe o que vem pela frente também é algo inocente. Só nos resta ser a tartaruga correndo, e pensando: logo, logo vou ser comida, ai de mim, é a vida, mas correndo, correndo, porque logo se desenvolve o propósito da corrida.

O que vejo de mais irônico em você é criar mil planos de fugas e não fugir pra canto nenhum. O que vejo de mais irônico em você é se firmar em mil filosofias pra sustentar o teu discurso vazio.