2 de abril de 2015

Escritores tristes

Escritores tristes são um perigo. Sem dúvida, o pior tipo de gente. Sem escrúpulo algum para com os sentimentos alheios, com certeza nossos mais terríveis pesadelos surgiram após ler algum escrito desses canalhas.

Eles soam como a música que você mais odeia. Aquela que mais lhe angustia, que lhe dá náuseas. O pior, no entanto, é que escritores tristes escrevem sem culpa alguma. Sem culpa pela dor que nos causam, mas talvez carreguem alguma culpa pelo que são. Às vezes, é isso o que os torna tristes, para nosso azar.

Encontrei com um escritor triste dia desses, dava dó só de olhar. Escrevia furiosamente, entretido, mas com um olhar de quem caminha rumo à própria cova. Não aconselhei que parasse, que esperasse toda aquela cólera passar. Pelo contrário, pedi que continuasse, assim a tristeza encontrava um atalho e escoava para longe. Afinal, quem lê textos de alguém assim sabe o risco, vai em frente porque quer.

Já fui pego por essas tristonhas criaturas algumas vezes, o resultado é sempre o mesmo. Leio, leio, leio, e adoro. Às vezes, a sensação não vem na hora, você continua como se nada estivesse acontecendo. Mas, de repente, no meio do café da manhã ou no caminho para o trabalho, lá está ele. O escritor triste gruda em você, e em algum momento a presença dele se faz notar. É aquele calafrio que desce espinha abaixo, o nó na garganta, um murmurinho incessante na mente. Eis que surge o efeito que escritores tristes adoram que nós sintamos.

A questão é: um escritor não triste consegue nos absorver em seu texto. Se for um bom texto, é claro. Mas quando a tristeza está presente no decorrer da escrita, ele nos engole sem pedir permissão. Quando nos regurgita, já não nos sentimos nós mesmos. Nada mudou ao redor, mas alguma coisa do escritor triste ficou na gente. Essa alguma coisa não sai mais. Com o tempo, ela torna-se até parte do que somos. Por isso aquele escritor, em especial, está sempre na nossa cabeceira. Não dá pra passar por seus livros sem que fique um pedacinho, uma frasezinha no nosso ser.

Essa é sua mágica, o truque que apenas esses escritores, em especial, sabem realizar tão bem. Eles mexem com aquilo que guardamos apenas pra nós mesmos, justamente porque confiam e nos entregam aquilo que também lhes é singular, único e dificilmente compartilhado com alguém. Essa confiança, não tenha dúvida, só a tristeza pode dar.