23 de março de 2015

Cartas de Zi: literatura desconfortável, porém indispensável

Pessoalmente, eu só acredito em uma literatura capaz de tirar o leitor do lugar onde ele confortavelmente está. Um livro conveniente, onde você só lê o que lhe interessa, e que apenas reforça e alimenta suas próprias crenças e convicções – geralmente já engessadas – tira da literatura sua principal força: o poder de incomodar.

Dito isto, posso afirmar sem medo de errar que a obra Cartas de Zi (Editora Multifoco, 2014, R$35), da escritora paulista Denise Sintani, fez por mim o que eu espero que os livros façam: tirou o meu sossego. Arrancou-me da posição tranquila e segura onde eu alegremente me encontrava. Esbofeteou a minha cara. Judiou de mim. E eu adorei.

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Não que eu seja uma leitora masoquista; longe disso. Mas a força da literatura reside justamente em sua capacidade de nos colocar a pensar sobre o que não gostaríamos de pensar. Em nos obrigar a olhar nos olhos daquela pessoa estranha e familiar refletida no espelho – e quando olhamos para ela, sabemos: ela também olha para nós.

Cartas de Zi é um livro de contos aparentemente independentes, mas interligados pelas cartas que Zi escreve ao seu amante casado. Através da percepção dos diferentes personagens envolvidos nesta relação clandestina – o amante, seu filho mais velho, a sogra, a esposa e, claro, a própria Zi – a obra levanta questões que permeiam e perturbam o que chamamos de sociedade contemporânea: nossa hipocrisia, nossas aflições, nossos medos, nossa mediocridade e superficialidade.

No entanto, apesar de colocar seu dedo nas feridas alheias, Zi também possui suas próprias feridas – e não tenta escondê-las e nem disfarçá-las; ao contrário. Ela também expõe suas incoerências e inseguranças, dispensando a elas a mesma aura sarcástica e debochada que usa para exibir e analisar os conflitos pessoais de todos que estão em sua volta.

Zi chafurda em lugares nos quais evitamos sequer olhar, e evidencia o que tentamos esconder. Através de uma personalidade desobediente e politicamente incorreta, Zi provoca não somente os que a rodeiam; mas também os leitores que, por acaso, caírem nas malhas de suas divagações provocantes e absolutamente sedutoras.

Por conta disso, Zi não admite meio-termo: você irá amá-la ou odiá-la com a mesma intensidade. E tudo dependerá da imagem que você verá refletida no espelho lindo e cruel que Zi colocará na sua frente.

Acredito que o maior mérito da autora Denise Sintani seja fazer com que seu leitor olhe-se e, mais do que isso, enxergue-se. Não da maneira que lhe convém, mas da maneira que é: sem maquiagem, sem subterfúgios, sem ilusões.

É visível o interesse de Denise Sintani pelo conflito que faz cativo todo ser humano – seja de que ordem for este conflito. Denise empenha-se, com louvor, em desnudar e expor os becos escuros e as vielas íngremes da psique individual e intransferível de todos nós.

Sua literatura perturba e subverte porque fala diretamente com o leitor. Através da impertinência de Zi, e da impertinência da própria autora, somos também atingidos e expostos, obrigados a pensar e ponderar sobre o que gostaríamos de fingir que nem existe.

E por isso – só por isso – Cartas de Zi já é um livro do qual eu sempre me lembrarei. Um livro que me fez olhar para o espelho que eu fingia não ver, e reconhecer aquela que, refletida ali, também olhava para mim.

 

* A obra Cartas de Zi pode ser adquirida através do site da Editora Multifoco (www.editoramultifoco.com.br) por R$35.

** Leia trechos da obra Cartas de Zi neste link: www.escritoscontemporaneos.wordpress.com/pitadas-de-zi

 

Sobre a Autora:

Jana Lauxen é escritora, editora e produtora cultural, autora dos livros Uma Carta por Benjamin (2009) e O Túmulo do Ladrão (2013). E-mail para contato: osdezmelhores@gmail.com Site: www.janalauxen.com