10 de fevereiro de 2015

Amores, truques e outras versões, de Alex Andrade

Tenho tentando me prender mais às questões narrativas de novos romances que são publicados no país, uma vez que muitos deles têm sido criticados por serem bem escritos, mas que muitas vezes nada tem a dizer. Busco, assim, me prender às formas estruturais que o autor utiliza para a criação de sua obra para tentar entender de que maneira ele pode vir acabar se perdendo no meio da história, deixando-a de lado, mantendo-a vazia ao invés de se preocupar com forma e conteúdo.

Faço isso porque concordo com alguns escritores quando apontam que escrever em primeira pessoa não é algo fácil de se realizar, é algo realmente complicado. Como arquitetar uma história em que o eu do escritor crie e manipule um novo eu, mas que não acabem se confundindo em um só?

Particularmente tenho uma tendência a gostar de livros escritos assim, em primeira pessoa, pois me deixo levar, coloco sobre os meus ombros toda a indumentária do personagem e vejo tudo com os meus olhos, sou eu ali e mais ninguém até que a contracapa diga o contrário.

Diante disso, comecei a ler Amores truques e outras versões, de Alex Andrade, editado pela Confraria do Vento, e em poucas horas pude terminar o livro, que com sua narrativa em primeira(s) pessoa(s) laça o leitor e acaba por enganá-lo até o início da segunda parte do livro, que é dividido em três: Truques, outras versões e amores.

O título, então, é como um aviso, ele não está ali à toa. A pista do que iria ocorrer já me havia sido dada, mas só me dei conta quando, na segunda parte intitulada Outras versões, comecei a perceber que o autor não escrevera apenas em primeira pessoa, ele escrevera em primeira pessoa de vários eus diferentes. E essa perspectiva de poder falar por vários através desse olhar me deixou animado a prosseguir na leitura.

10979436_834030086640208_165611965_nO livro de Alex se destaca por ser muito bem estruturado. Porém, pode ser que algum leitor, ao terminar o livro, diga que o autor deve ter ficado com medo, pois o livro é curto, e que talvez tenha ficado receoso de não conseguir amarrar as pontas, já que as histórias são contadas por duas maneiras diferentes, ou afirme que em algum momento ele tenha tido medo de deslizar e zás, um crítico mais atento poderia vir e apontar todos os seus defeitos e c’est fini, era uma vez um autor. E, assim, poderíamos lembrar o que José Castello afirmou dia desses sobre a ficção brasileira que são “bem feitas, arrematadas com competência, revisadas com afinco – mas vazias”.

Porém, apesar de concordar com Castello, não pude deixar de observar o personagem viciado em sexo, possuidor de uma ânsia dantesca que “ataca” diversas pessoas. O personagem em seus comentários solitários, deixa claro como ele trata os homens aos quais lhe procuram e os quais ele também procura através de um aplicativo de celular. Sim, aparentemente o foco da narrativa é a maneira como lidamos com nossas relações interpessoais através do mundo da tecnologia.

Mas, o que me deixou muito intrigado foi a relação que o personagem, que é Bruno, Pedro, Felipe ou qualquer que seja o nome que primeiro vier em sua mente, só estaria interessado em uma coisa: encontros para o prazer. Não diria que são encontros casuais, ele os deseja e quer usufruir de todos aqueles corpos da melhor maneira possível, assim como os que estão do outro lado da tela e que ficam enviando fotos de perfis, seminus ou até mesmo nus.

Não foi o fato dele se escancarar através de um aplicativo para nos mostrar como é a sua realidade e de tantas outras pessoas que me deixou incomodado, não foi porque ficou evidente que muitos só desejam o encontro casual, mesmo possuindo esposas, mesmo aparentando serem pessoas cultas, religiosas ou qualquer outra coisa. O que me chamou a atenção foi a solidão que fica à margem da história e a maneira como ela se relaciona com os personagens. Alex Andrade consegue disfarçar isso eximiamente, nada será tão perceptível quanto essa solidão que não é mostrada. A ânsia é uma máscara, apesar desse sentimento existir nos momentos em que deseja se entregar ao prazer, afinal ele não conhece as pessoas que irá encontrar, mesmo querendo prazer todas as pessoas ainda lhe são desconhecidas.

Mas agora estava me policiando para não cometer os mesmos erros, porque somos tão urgente, nós os seres humanos, tão impacientes na nossa pressa de achar e ser moderno, e muitas vezes não conseguimos demonstrar quem de fato somos, nem mesmo perceber o que o outro pode acrescentar às nossas vidas.

E isso diz muito sobre a sociedade em que vivemos atualmente. Onde estão esses homens que são retratadas no romance? Onde estão as pessoas, independente do sexo, que almejam o simples encontro para se sentir afagados ou porque desejam sinceramente fazer sexo? Todas elas são nossos amigos, conhecidos ou colegas de trabalho. Essa incansável buscar pelo prazer é algo que o ser humano ainda não conseguiu se libertar. As vergonhas alheias ainda parecem comandar o resto das nossas atuações, daí nos submetermos a aplicativos online que deixam tudo mais fácil.

Às vezes é assim mesmo, bastou um simples toque ou mesmo me sentar no sofá com o aparelho por perto e o laptop no colo e o mundo se abre como um passe de mágica. Tudo se torna tão rápido e aparentemente fácil de se resolver. A vida toma uma proporção exata e não há do que fugir, estão entregues as chaves, os documentos e a porta do paraíso estão escancarados aos nossos pés, a poucos metros de distância de nós, como indica o GPS que sempre está em ação.

Assim, os encontros vão sendo marcados e quando ocorrem podem durar uma madrugada inteira ou apenas o tempo de se comer um croissant de frango com catupiry. Às vezes, você pode não ir com a cara da pessoa do outro lado, às vezes ela não irá com a sua. São momentos de felicidades e de tristezas superficiais, que dão mais raiva por ter perdido tempo do que espaço para algum sentimento real de infelicidade. Quando isso ocorre o que deve ser feito é se entregar novamente ao programa que possui o GPS para indicar quando e qual será o próximo encontro.

Enfim, não vou carregar as dores do mundo, e quem sou para julgar as atitudes de alguém? Deixo fluir a respiração novamente, já aliviado do susto, retomo os pensamentos e ligo o celular. Estou ansioso, meus batimentos cardíacos estão em ebulição, meus dedos incontroláveis, preciso urgentemente voltar à luta, preciso e quero encontrar novidades que possam acalentar a minha noite.

Esses encontros podem ser a ponte para o amor? A solidão que buscamos preenchê-la de prazer, de saciá-la fazendo sexo irá se dissipar? Os personagens em Amores, truques e outras versões  são pessoas que poderão ter a possibilidade de se encontrar no outro? O livro de Alex Andrade nos arrebata, como evidencia José Castello ao comentar sobre o que Tolstói acha sobre a arte? Em minha perspectiva, trazendo a narrativa para o mundo real, pois ela é essa transfiguração de homens que se entregam aos visores brilhosos que “facilitam” as nossas vidas, sim.

Apesar de ser uma evidenciação do que ocorre atualmente, o autor não caiu no lugar comum quanto às questões de ideias para a criação do romance. Ele não se fixa em apenas um olhar, mas em vários, permitindo assim que entendamos o que somos ou no que estamos nos transformando. Se o contágio, como diz Tolstói, deve fazer parte da arte para que possa existir de maneira a transformar as pessoas, eu afirmaria que o livro em questão contagia porque o que ali ocorre não é ficção é a mais pura realidade, que muitas vezes está escondida sobre a pressão existente de uma ou várias sociedades que, mesmo no século XXI, ainda não conseguiu se sentir livre, principalmente quanto ao pensamento. É como se o autor quisesse evidenciar que ainda somos escravos de nossos desejos, mas só podemos fazê-los na sombra de todo o resto, e essa sombra é criada a partir de aplicativos que só nos ajudam a encontrar outros eus que possam nos completar e por isso a solidão é o tema principal nesta obra. É o medo de não conseguir amar, de não ser amado, de ficar só que conduz toda a narração. E o óbvio de que em nossas vidas tudo isso está se definhando não se torna clichê, mas como um aviso urgente de podermos olhar nossos reflexos não mais no espelho, mas em outras pessoas.

A vida com a tecnologia perdeu espaço para carinhos e afetos. Não há expansão do amor quando o interesse é outro. As outras coisas, as de maior importância ficaram para um depois quase imperceptível e parece que o amor tornou-se cafona demais, porque ninguém tenta e ninguém arrisca, amar é pisar numa área de risco, num terreno arenoso com placa ilustrativa anunciando com uma cruz vermelha o perigo que podemos correr. E quem ousa desobedecer e atravessar esse abismo?

E essa absurda maneira de acharmos que estamos sendo cultos e sábios que deixamos realmente a simplicidade das coisas de lado. Não queremos mais observar nada como realmente é, mas como deve ser para os outros, que nos visualizam através de redes sociais que acabam nos cansando e, ao invés de contribuir, esvaziam o que realmente somos.