2 de fevereiro de 2015

A gaia insurrecta do escritor

Ser escritor é tão inconstante.

Não devo ser um escritor: sou constante. Sou tal qual um vento mórbido daqueles de fim de rua que não faz nada além de ventar. Aqui-acolá um cisco; aqui e ali um ignoto dente-de-leão para me avisar de uma solitária estadia vindoura. Uma boa sorte, talvez. Mas até lá, não consigo ser inconstante. Vou aprendendo.

A vida crônica é constante. Não exagero nos detalhes, nos –ismos plagiados, nos formatos das cabeças das pessoas. Procuro não deliberar acerca de uma quase-falácia do dia a dia. Acho que sim, sou constante. Não quebro as regras nem usurpo as totalidades dos dias humanos presos aos postes, às tomadas, aos terabytes infinitos das lojas. Esse escritor constante morre de velhice, algumas vezes, e espero-a, ainda que no ápice da terceira década de existência, espero-a. A morte é a constante de minha vida: é pra lá que eu vou!

E ainda afirmo, o escritor é inconstante: um imortal.

Ainda ontem, pelas estantes da minha vida, observei esses inconstantes a me varrerem os olhos de toda orne do cotidiano-pelotão-de-fuzilamento. Iluminam-me, ainda que na escuridão do tempo e da biblioteca, os vislumbres tardios de quem, ainda, se atrela ao porvir dos dias até a velhice, até sucumbir na mão gélida e famigerada dos medos do mundo.

O meu plano é constante, atribulado pelas horas vadias dos relógios humanos. O escritor não respeita o tempo humano. Sobressai numa imensidão de universos amarrados na prosa heterodoxa entre os interlúdios dos meros cronistas que sou eu. O escritor não respeita as vontades e impõe metafísicas aos olhos margeados de dias e dias desses comuns transeuntes sobre a pele de Gaia. Eu o leio no silêncio dessa tarde quente. Algures, a insurreição é iminente. Outra terra suplanta a minha realidade constante. O que é? Torno-me inconstante? Vou andando pelas ruas de uma terra destruída. Não sobraram ventos. Aonde terminaram as minhas constâncias?

Comecei a tecer outras histórias. Submundos esquecidos em meu próprio lápis. Nada era o mesmo. Os cotidianos ganhavam a cor gris das incertezas. Fui ao abismo.

Sou escritor, tão inconstante.

por Valdemar Neto Terceiro