27 de setembro de 2014

Íris, uma despedida

“Tudo começou de um jeito muito divertido”

 É assim que a irmã mais nova de Íris começa a contar a história da doença que acabou por levar sua irmã. “Foi quando Íris acordou com os olhos vesgos” que tudo começou, que foi possível aprender um pouco mais sobre a morte e como ela pode nos proporcionar, talvez, um amadurecimento adiantado, digamos.

Iris (1)

Íris, uma despedida, de Gudrun Mebs e Beatriz Martín Vidal, é um livro que foi feito para as crianças, mas eu não quero acreditar nisso. A maneira como Gudrun conta a história envolve o leitor com seu linguajar que facilita a compreensão de uma criança, seja ela lendo sozinha a história ou tendo seus pais para contá-la. A história de Íris, apesar de ser uma história sobre a morte, ocasionada por um câncer instalado na cabeça da irmã mais velha, é uma narrativa que consegue ter um tom de humor que não machuca, mas ajuda a entender os caminhos que uma criança faz, perante a sua inocência, para compreender de que maneira alguma coisa pode levar-nos desse mundo.A gente tem mesmo de tudo na cabeça. A mamãe sempre brincava comigo: “Você só tem asneira na cabeça!”. Mas eu vivo bem assim. O papai explicou que um tumor é outra coisa, uma coisa muito ruim, e que as pessoas morrem disso.A irmã de Íris, a qual não ficamos a saber o nome, durante o início da doença da irmã, fica acompanhada da senhora Miller, que faz bolos muito gostosos e que sempre a diverte. Porém, com o avançar da doença e com a presença constante de seus pais no hospital para ajudar a cuidar de Íris, é necessário que a avó surja como uma pessoa que pode dar um aparato sentimental à criança.

Hoje a vovó também veio. Ela mora numa cidade chamada Dresden. Agora a vovó tem que cuidar de mim, porque a senhora Miller nem sempre tem tempo. Eu acho que posso me cuidar sozinha, mas o papai diz que prefere assim, e a vovó é mesmo um amor.

Aos poucos, a inocência, óbvio, da criança, que ainda está entendendo como o mundo funciona, a faz acreditar que Íris logo estará de volta em casa, pois não sabe o que é um câncer. Tudo a leva a crer que retirar o câncer de Íris é algo tremendamente fácil e sem dor:

Eles abrem a cabeça da Íris e puxam o tumor pra fora. Isso é moleza! Então ele vai embora.

A gente tem um câncer na câncer na cabeça e fica doente, então operam e tiram todo o câncer e a gente fica bem de saúde de novo. É simples. Ou não é?

Após essas dúvidas, tenta recorrer ao dicionário, que esconde sob o travesseiro, para depois questionar o pai o que seria algumas palavras que explicam a doença, mas que ela não é capaz de compreender. Mas o real fará a sua parte, chocando a criança, que é apenas um ano e dois meses mais nova que a irmã hospitalizada, deixando-a sem palavras, quando vê Íris diferente, sem cabelos, em uma roupa verde e com um furo na cabeça:

A Íris estava tão diferente. Tão estranha. Então ela olhou pra mim e sorriu, e também foi estranho o jeito como ela sorriu assim de cabeça careca. Eu não conseguia falar e só ficava olhando pra ela. Então o papai me colocou no colo e fez um carinho na Íris e disse: “Como se sente hoje, meu anjo?”, e a Íris disse: “Bem”, e eu falei de repente: “Mas e o cabelo?”.

Talvez algum leitor mais esperançoso queira que o final não seja o esperado, tendo em vista que o câncer, uma doença quase sem cura, sem possibilidades de fazer que as pessoas continuem estabilizadas, avança terminalmente. Esse avanço também pode ser percebido com as ilustrações que preenchem o livro com os traços de Beatriz Vidal, que soube de maneira, falta-me o adjetivo, compreender a obra e plasmá-la em desenhos. O avanço do câncer é representado como se flores, galhos e folhas nascessem na cabeça de Íris lindamente e que, com o decorrer do avanço da doença, vão murchando, secando, assim como a vida da menina mais velha.

Como afirmei no início do texto eu não quero acreditar que esse livro foi feito para crianças, pois é impossível não trazer a representação do que a obra intenta para o nosso cotidiano. Fazia certo tempo que algo não me arrebatava com tanta força. Talvez pela candura da irmã mais nova e sua inocência em contraposição à crueldade da doença, que muitos de nós conhecemos, talvez pela morte iminente de uma das personagens, que como um anúncio premeditado nos abala desde o início do livro, como se estivéssemos em um carro a trezentos quilômetros por hora em uma rua sem saída.

A vovó não tinha percebido que eu já estava acordada, e ela só olhava na direção da janela, mas parecia que ela não estava vendo nada. Eu achei esquisito e falei: “Bom dia, vovó!”. Então ela se virou para mim e disse: “A Íris morreu nesta noite”. Ela começou a chorar e saiu do quarto. Eu fiquei deitada e senti muito frio. Eu não tinha entendido bem.

E quando releio esta passagem, ainda sinto arrepios.