15 de agosto de 2014

Levem estas espumas, passarinhos



Paixão não se explica, decerto. As marcas deixadas pelo amor nem sempre podem ser apagadas, é sabido. Nem todos os elogios que derramam constantemente aos meus pés foram capazes de impedir que eu visse meu orgulho inteiro nas tuas mãos – e tu a gargalhar dele. E não é esta faca encravada no peito que mais me machuca, mas a frieza que escorre da tua boca e a ironia que há nos teus olhos enquanto continuas a enfiá-la lentamente, navalha envenenada. Grito enlouquecido e me olham de banda, e vejo nos olhos alheios o mal - pena e escárnio. Um dia teus abraços, de tão quentes, fizeram-me imaginar que o inferno seria uma possibilidade de morada. Não mais. Paro por aqui com tamanha imbecilidade e me refaço homem, que prende as lágrimas nos olhos e as derrama quando bem quer. Perdes nesta noite um mendigo teu, que deixa agora esta calçada imunda onde tu pisas e vais embora - indiferente. Cansado de ser tua prostituta imaculada, sempre rastejando aos teus pés, mas nunca por ti tocada, hoje me despeço. Se acreditarás ou não no que relato, um problema só teu; mas deixe-me te contar o quão saboroso foi descobrir que o sentimento de tantas confissões parece ter se revertido – fortemente. Cambaleante, deixo as marcas das minhas mãos sujas de sangue pelos muros e postes nos quais tento me apoiar. Alguns passam e me olham com indiferença, dó e compaixão. Digo-lhes: “a culpa é minha, sou viciado em me machucar”. E tu, sabendo que me acertou, me mostras um sorriso quase cerrado e levanta a mão por pura bondade, tendo em vista que sou caça tua – flechada por acaso. E o poeta me diz: “o tempo não para”. Cansado, vendo que não me queres para companhia - nem refeição, seguro agora firme no corpo dessa faca, repleta de sangue seco em volta, e vou arrancando-a e fazendo ferida na minha carne madura. Brado. Respiro. Finalizo esta última coisa que escrevo para ti escutando um poeta que me aconselha e me segreda – então descubro: tua pela (tornou-se) crua

 

 

Por Júlia Sá.