13 de fevereiro de 2014

A intimidade do amor

Foi numa tarde de domingo, que, sobre uma mesa, em um café, um amigo me presenteou com o livro de Hanif Kureishi. Eu não tinha, ainda, uma amizade tão profunda com ele, até que o nosso primeiro encontro, para falar de literatura, ao som dos carros que passavam na avenida ao lado, pudessem nos deixar mais íntimos ainda com a Intimidade que ele acabava de proporcionar, com o livro e com seus pensamentos.

Numa conversa onde os autores brasileiros e o mercado editorial se fizeram presentes, ele me apresentou o livro amarelado, dizendo-me que, até onde ele sabia, o livro estava esgotado. E essa palavra, esgotado, é sempre um prazer para os meus ouvidos e sentidos aguçados de leitor que sou. Junto a ele veio outro livro de um americano, premiado. Até suspeitei que meu amigo quisera começar nossa amizade “forçando” os escritores de origem ‘inglesas’, digamos assim, para contribuir em minha formação.

Pois bem, passei o olhar, brevemente, como nos é costumeiro e o levei até a mesa coberta de livros, em minha casa, que por vezes me proporciona um descontentamento por me fazer perceber que há uma grande limitação para lermos tudo que gostamos em vida. Antes de o sono me vencer, li apenas o primeiro parágrafo do livro de Kureishi e percebi que sua escrita tinha algo a me proporcionar, de bom, pensei.

Sendo daqueles livros em que se começa a ler e não se quer mais soltar, fui deliciando a cada dia, durante uma semana, poucas páginas da Intimidade do autor para poder dar fim a sua história de amor, solidão e, talvez, de desespero.

Desespero porque acredito que Kuresihi envolve, em sua narrativa, aquele homem que está sempre em busca de uma felicidade que, talvez, nunca o complete. Essa busca pelos prazeres antigos, que temos na juventude, e que, com o aparecimento da idade avançada – a velhice –, fica a nos rondar para que sejamos “sujos” ou simplesmente inocentes.

"Depois de uma idade apenas algumas pessoas,
em certas circunstancias,
podem amar umas às outras."

Parece que é nisso que o narrador do livro quer que acreditemos, e, convenhamos, é nisso que muitos de nós acreditam.

A realidade é que o roteirista, aclamado e conhecido por muitos, vive uma vida em depressão. Na medida em que envelhece tenta manter a sua coragem em ‘fugir’ de casa. Tenta manter porque a coragem já está nele, apenas demora em levar a cabo o que pretende, pois fica a pensar e pesar sobre tudo o que pode acontecer com Susan, sua mulher, que está sempre a lhe virar as costas na cama, e com seus dois filhos. E isso não passa da insegurança que é tentar ser o que não é ou talvez de ser o que sempre quis ser, mas que acabou se deixando ser podado pelo casamento e suas regras:

"A gente comete erros, se extravia, se distrai. Se o sujeito é capaz de ver seu avançar tortuoso como uma espécie de experimento, sem que deseje uma segurança impossível – nada de interessante acontece na falta de ousadia –, chega a uma espécie de tranquilidade."

Mas essa tranquilidade não vem, porque a intimidade de quem conta a história está exposta para amigos e amantes. Esse equilíbrio parece não existir, principalmente, como disse, quando se preocupa com seus filhos e sua formação. Quando compara a vida que teve em infância com seu pai, que abandonou sua mãe, a si próprio:

"Sei o quanto a figura do pai é necessária aos meninos. Eu segurava na mão de meu pai enquanto ele passeava pelas livrarias, subindo escadas e apanhando livros empoeirados na ponta dos pés. “Vamos... vamos embora”, eu dizia."

Mesmo que essa harmonia não exista no narrador, pelo menos não acredito nisso, pois não vejo um homem centrado para ser feliz com sua amante que é muito mais nova ou na busca pelos seus desejos de querer fazer o que quer, sem ter ninguém, como Susan, lhe podando os feitos, acredito, de fato, que ele deseja mudar, porém o medo e essa insegurança que traz consigo, há tempos, seja um dos elementos fundamentais para entender a Intimidade do nosso personagem:

"O que me intriga, mais do que qualquer outra coisa? O fato de por tanto tempo, pelos últimos dez anos, ter lutado contra as mesmas questões e obsessões, com as mesmas respostas boçais e inúteis, sem que isso me faça num um pouco mais sábio, sem nenhum alívio da necessidade de saber, como um rato numa roda. Como posso ir além disso? Estou indo embora. Interromper é romper, é irromper. Isso já é alguma coisa."

Para ele, preocupar-se com essa situação a qual ele mesmo se proporcionou é “alguma coisa”. Mas esse “alguma coisa” nos deixa angustiados e compreensíveis ao seu temperamento, que ora o incita e ora o acalma. Ele não sabe como ir além, não sabe por onde começar, mesmo questionando amigos e pedindo ajuda aos que já conseguiram divórcios e amantes, às escondidas, para viver sem mais lamúrias, mesmo assim, ele não sabe como proceder, não sabe como irromper. E toda a sua dor o faz duvidar de todos, até mesmo de si:

"Devemos tratar os outros como se fossem seres reais. Mas, são mesmo?"

Mas essa dúvida há de parar, porque o que deseja, no final de tudo, é simplesmente amar. É isso que o autor de Intimidade mostra que o seu narrador quer: amar. Não indefinidamente, sem pensar nas razões que o levem a tal. Não amar simplesmente por amar. Não amar como se não houvesse mais nada além disso. Mas amar alguém que esteja “à sua disposição”, alguém que queira viver sem esforço, sem esforçar-se para manter uma relação que só leva à depressão da mente e da vida.

Pode-nos parecer clichê acreditar que o que Kureishi quer nos passar é simplesmente que devemos ter mais amor entre nós ou que viver sem amor algum é como se não estivéssemos a viver. Mas, eu me pergunto, e se isso for verdade? E se for realmente essa busca a qual devemos nos ater em nossas vidas, ao invés de estarmos como seres controlados pela força trabalhadora que nós mesmos nos impusemos? Afinal:

"Não admira que todo mundo queira isso – como se já tivessem conhecido um amor assim e mal conseguissem se recordar, sentindo-se porém impelidos a busca-lo, como se fosse a única coisa pela qual valesse a pena viver. Sem amor, a maior parte da vida permanece oculta. Nada é tão fascinante quanto o amor, desgraçadamente."