10 de fevereiro de 2014

O Silêncio Branco




Não se pode falar sobre Literatura Cearense sem citar o nome de José Alcides Pinto. A obra dele abrange o ensaio, o romance, a novela, o conto, a poesia e o teatro. Ele começou sua historia literária ao publicar em 1964 o clássico Os Cantos de Lúcifer. Mas o livro que cravou de vez seu nome na historia literária foi a Trilogia da Maldiçãoem especial o segundo livro da trilogia Os Verdes abutres da Colina, nessa trilogia o Ceará, em especial a região norte, é visto sob o olhar mágico e místico do realismo mágico, esse é só um viés de leitura, pois existem várias outras maneiras de se analisar esse livro. A imortalidade literária de Alcides Pinto se deu por seus sucessivos bons trabalhos, não por simplesmente fazer parte de alguma Academia de Letras. Alcides Pinto com certeza é uma figura mitológica em nossa literatura cabeça-chata, mas o que eu quero mesmo é comentar o livro de poemas O Silêncio Branco publicado unicamente em 1998 (Edição Livraria Gabriel).


O primeiro poema do livro intitulado Eu desintegra a alma do poeta Alcides Pinto. O poeta de alma “íntegra e inviolável” e “sombra de lua”, essa e outras definições o poeta utiliza para nomear o seu eu interior:

Eu sou eu. Íntegro e inviolável dentro
de  mim mesmo.
O que não se descobre. Anônimo sob
minha própria espinha.
(...)
Eu sou eu. O retrato destituído de vida.
O gesto estático.
O que está no limiar e afogado no abismo.
O que anda vestido e nu, sendo louco e poeta.
Eu sou eu e sozinho. Diverso sobre mim
e sob eu mesmo.
(...)

Outro poema que merece destaque são os versos Sem se deter. Neste poema o místico e a loucura, características essências na obra de Alcides Pinto, formam a voz motora do eu-lírico. O poeta lança perguntas e as responde negando o que foi perguntado. Mais adiante o poeta cearense com a agucidade de um surrealismo formula o lindo conjunto de poemas Tatuagem:

1.
O peixe tatuado
no quadril da mulher
não é o peixe do rio
é mais fotografia
de fóssil de peixe.
2.
É uma maneira do peixe
viver fora d’água:
preservada a memória
catalogado em arquivo.
3.
É um peixe diferente
(cicatriz queimada)
na tela da pele
incisão bordada
4.
É mais do que peixe
(estampa de Doré)
plástica moldura
do mar.
(...)

Esse poema é subdividido em oito partes, cada uma descrevendo de maneira alucinante uma tatuagem no quadril de uma mulher inominada. É um poema cercado pela loucura, pelo místico da escrita e visão poética de Alcides Pinto. Outro poema que se assemelha a essa temática mística é poema A moça que faz tricô, mais um poema com subdivisões, cinco, que descrevem a simples ação de tricotar, porém a percepção filosófica do ser e não-ser casa com o poema fazendo dele uma das obras-primas do poeta. Destaco também os poemas que seguem nessa mesma linha de pensamento, sendo eles O homem de cachimbo; Notícia pela internet e Pôster. O poema Réquiem filosofa sobre o ser, sobre a existência, a brevidade da vida, os gestos simples. A força desse poema Réquiem é passada pelas imagens descritas pelo poeta:

Eu sou uma capela cheia de andorinhas mortas
Um altar destruído.
(...)
Meu corpo, partido em banda, daria uma canoa
Um caixão mortuário, uma guitarra.
(...)


O poeta cearense constrói imagens que muitas vezes falam por ele, essa característica é fundamental para ser um poeta de qualidade, as imagens, a linguagem a boa distribuição de temas, essas características fazem de José Alcides Pinto uma referência na Literatura Cearense, não seria exagero dizer que os novos poetas devem por obrigação antes de compor versos ler a obra do poeta de São Francisco do Estreito. O livro Silêncio Branco é formulado por poemas que merecem a qualificação de obras-primas. Não é a toa que é o meu preferido do poeta cearense. Infelizmente esse e outros livros do autor sumiram das prateleiras de livrarias. Para aquisição de livros de José Alcides Pinto é necessário recorrermos a sebos. Registro ainda o meu desejo de que novas edições de livros do poeta cearense sejam publicadas. Há ainda outras colocações a se fazer sobre o livro, mas o meu objetivo nesse ensaio foi apenas aguçar a curiosidade leitora para este livro, tendo feito isso, fico satisfeito.