21 de agosto de 2013

Revista Acrobata

Quem ama a Literatura e se envolve com todas as suas veredas,, sabe que é preciso, quase sempre, se contorcer de todas as formas para continuar realizando o que gosta. Obviamente, tudo que envolve a Literatura só pode acontecer se antes existir o ato da leitura; e ler, nos dias atuais, não é para qualquer um. Explico: não que eu esteja segregando a leitura, longe disso, mas é que para ler é necessário ter tempo. E perante essa sociedade moderníssima, na qual a frase mais conhecida é não tenho tempo, fica cada vez mais difícil terminar um livro, principalmente se ele tiver mais de 400 páginas, e escrever algo sobre ele.

A Literatura criou em seu entorno um sistema que dificilmente será descontruído, a não ser que acreditemos numa realidade como a existente em 1984. Algumas funções são essenciais para que esse sistema não morra, as principais são autor e leitor. Porém, outras são necessárias, ao meu entender, para que a Literatura sobreviva (se é que essa é a palavra certa) em meio a tanta tecnologia.

Por exemplo, ser crítico literário, no Brasil, ainda é complicado. Certa vez um amigo me disse que os críticos são odiados, principalmente, pelos poetas, e que os críticos, quase todos, acham-se na posição de comentar sobre tudo. Quando voltamos o olhar para o autor, percebemos que é outro, no meio desse imbróglio, que mal consegue viver do seu trabalho. Os que conseguem são aqueles que possuem uma grande editora por trás e que investe pesado, às vezes mais na imagem do que na escrita. As editoras são as que mais ganham nesse sistema, isso é o que eu percebo, com a minha pouca experiência.

Para mim, ultimamente, tem ficado claro que todo esse sistema possui um personagem principal, essencial, para um bom funcionamento. E não, não há como escapar dele: o editor. O editor é quem é responsável (quando não há envolvimento prioritariamente de capital) pelo que lemos. Nos dias de hoje, uma boa obra não vem a lume sem um olhar atento de um editor, que no final das contas acaba atuando como leitor, crítico, autor e administrador.

E o editor de revistas literárias, mais especificamente, é quem mais sofre com esse sistema, mas também um dos que mais contribui. Criar revistas literárias, do nada, poderia ser considerado como o ato de criação da Terra, pois a vastidão de mundos que um editor de revista literária tem ao seu alcance é tamanha que muitas vezes é responsável por movimentar todo o sistema que apresentei acima (que pode ser falho, eu sei). E é esse editor, que não possui dinheiro no bolso, que se utiliza das tecnologias que tem ao seu alcance para realizar o seu objetivo, o objetivo de vários que estão a esmo. São poucos os que conseguem editar uma revista literária em nosso país, de maneira impressa. O editor de uma revista literária se contorce no meio desse sistema para que haja um espaço não só para ele, mas para os escritores que muitas vezes não conseguem ter nada publicado. O editor é como se fosse um acrobata que tivesse que caber em um baú. E talvez essa palavra, acrobata, seja a melhor para definir muitas das posições que apontei.

Não sei se foi com esse intuito que os editores Aristides Oliveira, Demetrios Galvão, Meire Fernandes e Thiago E (é necessário dizer os nomes desses acrobatas) criaram a nova revista Acrobata: literatura, audiovisual e outros desequilíbrios. A revista, que promete ser lançada semestralmente (digo promete, porque cumprir os prazos é algo que também dificulta a vida das revistas literárias), nasceu em Teresina e traz textos sobre o cinema indígena, o cinema de Godard, a visão de alguns críticos sobre a literatura em partes do país e sobre a história das revistas literárias, que também é lembrada por Sergio Cohn, na entrevista concedida a revista.

Admito, não esperava que a revista fosse tão boa. Ao chegar pelo correio, deixei-a de lado momentaneamente, devido ao atraso de outras leituras (como eu disse: tempo!). Mas, a partir do momento em que iniciei a leitura, levei-a comigo nas viagens de ônibus que realizo diariamente. Entre um texto e outro, entre uma poesia e outra, fui constatando que uma revista literária não é brincadeira de criança e que demanda, além de tempo para ler os vários textos que chegam para publicação, muita responsabilidade na hora da seleção e edição.

Pude perceber o cuidado que os editores tiveram desde a aparência da revista, que é muito bem preenchida com os desenhos de Cicero Manoel, artista plástico do Piauí, até a qualidade dos textos. Entre contos e poemas, entre críticas e reflexões, pude entender um pouco mais sobre o que se passa com outros agentes que fazem funcionar o sistema literário do país.

Comecei pelo texto de Edson Cruz, que fala sobre as revista literárias e sobre a sua experiência com a criação de algumas e colaborações em tantas outras. Ele faz um breve mapeamento de revistas que conseguiram, talvez, ter certa ascensão no meio literário, principalmente pela responsabilidade dos editores e da qualidade dos textos, e também pela importância que as revistas possuem para os escritores. Mostra também como se deu a sua passagem do impresso para o meio digital, iniciado com a revista literária Mnemozine; depois com portais literários, como o Cronópios; e, agora, com a Musa Rara. Edson é daqueles que aposta veementemente no meio digital e que não arredará o pé de lá, conforme mencionou na última bienal do livro, em Fortaleza, 2012.

Pareceu-me que o discurso de Edson estava muito bem linkado (permitam-me o uso desse verbo) com as ideias de Sergio Cohn, que acha necessário a realização de uma pesquisa mais aprofundada sobre as revistas literárias que o Brasil já possuiu e possui. Sendo ele, hoje em dia, um colecionador de revistas literárias antigas.

Fora esses dois momentos na revista, pude perceber que várias são as áreas que recebem da literatura influência direta. O cinema é uma dessas áreas e por isso se faz presente com mais de um texto. Um me chamou atenção por tratar sobre os filmes de Isael Maxakali, cineasta indígena, do povo Maxakalli, que vive em Minas Gerais. E são esses tipos de informações que se espera encontrar em uma revista literária também. Não podemos viver presos apenas aos nossos círculos, fechando-nos, desejando comentar apenas os textos de amigos e etcaetera. É necessário ampliar, sempre, os horizontes, e por isso a Acrobata resolveu manter diálogo com outras artes, com outros desequilíbrios.

Ainda há, em meio a esses desencontros acertados, na revista, O pagade da poesia, escrito por Thiago E, e que li por último. Por último porque quando percebi que trataria sobre versificação me pus a olhar o texto com maus olhos, já me bastavam alguns livros em que tentei aprender metrificação e a melhor estruturação para poemas, versos e rimas, para entender os grandes sonetistas (nem só de imaginação vive o poeta). Mas, dando tempo ao tempo, e mantendo sempre a paciência e a consciência limpa para a leitura, admiti a leitura e notei que o que ali se passava era realmente um pagode (no melhor sentido da palavra). Thiago passeia pelo verso hendecassílabo e nos explica porque ele deixou de vigorar e passou a ser mais “charmoso” (palavra minha) usar o verso decassílabo. E ele faz isso de uma maneira tão fácil de entender que ao final ficamos querendo voltar aos livros de metrificação.

Em meio aos prazeres da leitura da Acrobata é inevitável não pensar em um problema que sempre incomoda o leitor, e que incomoda, muito mais, ao editor, responsável por dissipar a cultura sem ajuda, quase sempre, de ninguém: é o preço da revista. É um problema para o leitor, porque ele não gosta de se aventurar (não posso afirmar nem apontar quem, mas esse leitor existe) em comprar uma revista com autores “desconhecidos”. O maior problema, para os editores iniciantes, está aí: não ter um nome conhecido na capa da revista ou não ter nome algum. Não é esse o caso da revista piauiense que traz Augusto de Campos na contracapa. Por isso várias revistas iniciam já arquejantes. Daí, ter de conseguir nomes conhecidos para fazer parte dos colaboradores, que acabam, querendo ou não, ajudando na dispersão da revista literária.

Fazer revista literária no Brasil não é fácil, e talvez não o seja em lugar algum. Porém, creio, ou quero acreditar, que isso é reflexo das escassas políticas públicas em apoio à Cultura, à Leitura, à Educação. Fato é, pode-se testar em pequenas comunidades, que quem lê tem sim mais facilidade para raciocinar sobre o que acontece a sua volta, fazendo do homem um ser pensante. Viver de Literatura é difícil, manter uma revista como a Acrobata é difícil. E a única salvação que temos para tentar dissipar literatura, contra a maré das grandes editoras, é repassar as informações, repassar as revistas, os livros, fazer o conhecimento girar, ao invés de nos prendermos às nossas bibliotecas. Assim, alguma pequena editora descobrirá certo autor que pode acabar por vender inúmeros exemplares, que, ao final de contas, entregar-se-á ao mercado editorial avassalador que existe, tendo em vista objetivar a sua permanência entre os “eleitos”.

Ler não é para qualquer um, demanda tempo. Foi o que afirmei no início desse texto e com certeza poucos terão findado esse, pois a velocidade da informação pede sempre menos informação. Prefiro, então, deitar no sofá, abrir minha Acrobatae me contorcer em pensamento para poder existir nesse mundo, para que eu possa então, talvez, pensar em alguma forma de não me sentir como no mundo de Orwell, ou como em Fahrenheit 451, onde os seres “inteligentes” destroem o conhecimento que se desenvolveu por séculos. Deixemos o desconhecido ser o nosso prazer e leiamos, então, acreditemos nesses editores que empunham a pena e trazem, dos mais profundos abismos literários esses desconhecidos que acabam por abrir portas para novos mundos, autores, críticos literários, editoras e leitores. Afinal, os editores, talvez tenham o que você não tem: tempo.

(Para os interessados na versão impressa da revista Acrobata entrar em contato pela página da revista https://www.facebook.com/revistacrobata?fref=ts ou pelo email: demetrios.galvao@yahoo.com.br)