29 de abril de 2013

Nunca é tarde pra ser




Em cada final de capítulo senti aquele arrepio que toda obra deveria nos dar. Passando por cinco tipos de animas diferentes – gato, cachorro, passarinho, peixinho e gente –, Ricardo Thomé em seu A resposta e o vento nos mostra como realizar uma escritura em que se estabelece uma curiosidade cheia de ânsia no leitor.

Confesso que quando tive o livro em mãos senti uma sensação de modorra, um cansaço ao ver aquela imagem desfocada, sem saber se amanhecia ou se entardecia o dia. Essa sensação de falta que às vezes temos e podemos ter em qualquer lugar.

Contudo, a modorra logo se dissipou ao ler a primeira frase do livro: “O que podia ter sido nunca é tarde para ser.” Se dissipou porque eu acreditava que o livro não era um livro de autoajuda e que por iniciar assim poderia ter a possibilidade de ser muito ruim ou muito bom. A resposta veio quando o vento a levou.

Quando a frase se parte, e o vento resolve levar pelos caminhos de Copacabana sua força, poderemos notar que tudo irá se modificar para uma determinada pessoa em um certo lugar. A frase Nunca é tarde para ser vem para desestabilizar momentaneamente a psique de quem a lê, até mesmo, variavelmente, a do leitor. E esse desequilíbrio é que faz com que se possam erguer os olhos, elevar a alma e caminhar, pois só caminhando, como diria Nelson Rodrigues, é que se pode ser livre.

Teodora, Veruska, Tião, Renato, Nestor, Lorena e Zeu são os protagonistas dessa história. Poderia dizer que um é mais forte do que o outro, que determinado personagem se faz mais presente do que outro pela sua forte personalidade ou pela exótica maneira de ser, mas não. Isso não se faz necessário na obra de Ricardo Thomé. Todos são iguais, todos possuem a sua solitária dor. E essa solidão em que se forma no entrecruzamento dessas vidas me faz pensar se a sociedade não é apenas um conglomerado de pessoas solitárias e incompreendidas.

Todos são realmente solitários, e isso não vem da demonstração de sua necessidade de se fazerem acompanhados de animais – gato, cachorro, passarinho, peixinho e gente –, se faz porque a realidade em que vivem é a mesma que vivemos. O mundo criado pelo escritor carioca – cheio de hipocrisia, de mentira, de desigualdade, de preconceito – não é ligeiramente parecido com o nosso, é a nossa representação.

Mas o que liga todos esses homens e mulheres é apenas o fato de uma simples resposta entrar em suas vidas e poder, com sua força, modificá-los? Talvez sim, talvez tenha sido apenas isso: Nunca é tarde para ser. Porém, Abel é o fio condutor para que a narrativa nasça, para que ela se faça obra e que permeie nossa mente com sua sedutora linguagem.

Abel foi quem morreu dentro de um ônibus quando um negro subira para fazer seu primeiro assalto, e que após um grito de uma velha resolveu atirar com seus dedos trêmulos, como mais tarde confessa. Foi Abel quem fora esquecido pela namorada gorda e acalentado por um menino doce em seu último suspiro. Foi Abel que morreu para ser para o mundo como ‘a redenção da raça dos homens’, como diria Lorena.

É a partir de sua morte, que de início nos é desconhecida e que aos poucos vai se formando na mente do leitor, que podemos ficar sabendo que Abel era puro, um efebo de olhos azuis-piscina, que era virginiano e que só quis ser alguém de bem na vida, mas que, talvez, ainda não havia conseguido ser o que desejava ser.

Sua morte faz com que várias outras vidas possam ser vividas. É ele o maior catalisador para a mudança em todos os personagens ao lado da resposta que voa pelos caminhos de Copacabana. A resposta, que os faz refletir por um instante, sempre traz à lembrança a morte de Abel dentro do ônibus. Todos estavam lá, conectados ou não, todos tinham a sua importância naquele momento para Abel.

Talvez, após a leitura, alguns dirão que tudo não passa de um livro de autoajuda. As interpretações podem ser variadas, mas singularizar a obra como tal será um ato tanto mesquinho da parte do leitor.

Não nos iludamos em acreditar que o que há em A resposta e o vento é simplesmente uma reflexão de que Nunca é tarde pra ser ou como as pessoas são solitárias, apesar de isso estar presente na obra. Acreditemos que a maior dificuldade esteja em nos vermos nesses personagens, em nos acharmos incompreendidos, em percebermos que somos uma sociedade que não recebe de braços abertos, como uma mãe recebe seu filho após a sua primeira caminhada, os ‘desajustados’.