25 de janeiro de 2018

Despedida

Tudo na vida é um acostumar-se à ideia de dizer adeus.

Poucas vezes observamos ou nos damos conta, mas um dia que se vai é também um dia a menos na nossa própria existência – e provavelmente na de tudo o que nos cerca, de gatos a filhos, amigos e amantes – tudo morre mais um pouco com a extinção do dia.

Quando anunciei que ia sair do Facebook, no final do ano, houve quem achasse que eu estava indo para algum lugar de onde não poderia mais voltar – ou tratasse a questão como se fosse esse o caso. Alguns amigos quiseram me dissuadir da decisão, alegando a incomunicabilidade – talvez, esquecidos de que já existiu uma vida antes das redes sociais, e a comunicação acontecia, desde que ambas as partes se esforçassem minimamente.

Resolvi brincar, e comecei a fazer listas aleatórias de coisas muito minhas, bobagens, como livros dos quais gosto, lembranças de momentos pretéritos, opiniões randômicas, tudo para dar a impressão de que eu estava inventariando a mim mesmo, ou entregando aos meus contatos os meus espólios. O resultado foi bem interessante: algumas pessoas comentavam os itens de minha lista, compartilhando deles como se também fossem seus – ou tomando posse; outras emitiam opiniões, juízo de valor e, entre uma coisa e outra, um pedido para que eu não saísse daquele canto virtual.

Há algo no medo da perda que nos remete ao desconhecido, e esse talvez seja o grande fator que nos assusta. Talvez por isso a fé, a religião e o medo da morte existam, o que no fim das contas está tudo no mesmo amálgama que nos impulsiona adiante preferindo acreditar do que não: acreditar-se imortal (ainda que só a alma) é melhor (para muitos) do que achar que ao morrer você vira, no máximo, esterco para alimentar o solo. Pensar na possibilidade de retirar-se dessa vida sem itinerário seguinte é o equivalente a abandonar-se, a dar a si uma ausência de destino – um vazio que ultrapassa aquele onde alcançam os tentáculos de uma existência, é quase como se, ao não depositar crença numa pós-vida, vivêssemos dois vazios possíveis, o do lado de cá, em eventuais crises existenciais, e o do lado de lá, onde a incógnita nos abraça.

Mas não há despedida mais dolorida do que a que se dá de forma súbita, inesperada como um tapa de mão amada, especialmente de pessoas cujas vidas, absolutamente ativas, ainda pareciam ter tanto a dar aos que conviviam com o recém morto ou com aqueles que desfrutavam de sua arte.

É o caso da morte abrupta de Dolores O’riordan, vocalista da banda irlandesa The Cranberries, ocorrida recentemente, aos 46 anos. Se estivéssemos muitas décadas no passado morrer com essa idade seria aceitável. Mas em pleno século XXI morrer aos 46 parece ser morrer com a metade da possibilidade do que ainda se poderia vir a ser. Basta olhar para os tantos artistas que continuam a produzir e compartilhar com seu público o que produzem já tendo passado dos 80 anos ou até dos 90. O potencial criador, ceifado antes do tempo, também acaba servindo como régua para mensurar o tamanho de uma perda. E para quem gosta de rock, sabe que a morte precoce da cantora realmente deixa uma lacuna importante. Para além dos sucessos das diversas músicas conhecidas da banda, havia todo o possível desdobramento futuro. Com sua morte, começam a surgir as histórias dos planos que a cantora tinha, com e sem a banda que a tornou famosa.

Partir: quebrar ao meio, destroçar, dividir por meio de rachadura.

Partir: palavra que atinge quem parte, aquele que inevitavelmente se vai, e também aquele que fica, não mais por inteiro.

Despedir-se não é tarefa fácil. Ver alguém partir sem chance de volta é não apenas a extinção de um contato, mas a confirmação da própria ausência futura.

Hiato: espaço de tempo entre a saudade e o abraço.

E é por isso que é bom estar vivo, novamente nesse espaço, de volta.